FILMES CLASSICOS NAS TELONAS: CIDADAO KANE

Saiba tudo sobre o classico que o Cinemark exibe nos seus cinemas dias 11, 12 e 15 de julho

09/07/2015 13:41 Por Rubens Ewald Filho
FILMES CLASSICOS NAS TELONAS: CIDADAO KANE

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Oitava temporada de Clássicos na Rede Cinemark:

- O Silêncio dos Inocentes (1991) - 04, 05 e 08/jul

- Cidadão Kane (1941) - 11, 12 e 15/jul

- Carrie - A Estranha (1976) - 18, 19 e 22/jul

- E.T. - O Extraterrestre (1982) - 25, 26 e 29/jul

- Clube dos Cinco (1985) - 01, 02 e 05/ago

- Top Gun - Ases Indomáveis (1986) - 08, 09 e 12/ago

 

Cidadão Kane (Citizen Kane)

EUA, 1941. 119 minutos. Widescreen 1.77, ou seja retornando a sua proporção inicial com que foi apresentada nos cinemas. Produzido por Orson Welles para RKO/Mercury. Direção de Orson Welles. Roteiro de Herman J. Mankiewicz e Orson Welles. Fotografia de Gregg Toland. Música de Bernard Herrmann. Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Ray Collins, Paul Stewart, Dorothy Comingore, Everett Sloane, Rutt Warrick, Agnes Moorehead, Harry Shannon, George Coulouris, William Alland, Fortunio Bonanova, Alan Ladd. Preto e branco.

Sinopse: Ao morrer, um político e magnata da imprensa, diz uma palavra: Rosebud. Através de depoimentos contraditórios, tenta-se reconstituir o mistério de sua vida.

Comentários: A cada vez que os críticos do mundo inteiro se reuniam para votar (pelo correio) o resultado era sempre o mesmo: Cidadão Kane de Orson Welles volta a se reconhecido como o melhor filme de todos os tempos. Até o ultimo encontro, em que ele perdeu para Um Corpo que Cai de Hitchcock. Embora goste muito desse filme e de Kim Novak ser minha musa, acho que historicamente Kane tem mais peso e importância. É um filme lendário e seminal, certamente grande parte do cinema moderno foi inspirado nele. E para seu criador, diretor, astro, produtor Orson Welles a maldição foi ter criado sua obra prima quando tinha apenas vinte e seis anos. E pelo resto da vida (ele morreu em 1985, aos 80 anos), nunca mais conseguiu superá-lo. O filme seguinte Soberba foi mutilado pelo estúdio e isso sucederia sempre daí em diante (ele teria que ganhar dinheiro como ator e locutor para financiar seus projetos pessoais que resultavam sempre falhos por terem sido rodados durante muitos anos, de favor). Na verdade, ele nunca mais teve também o apoio de um grande estúdio como foi o caso aqui com a RKO.

Welles havia ficado famoso no rádio com uma transmissão escandalosa de “A Guerra dos Mundos” que os americanos tinham achado que era uma invasão real de marcianos. Um evento que abalou os Estados Unidos quando a população entrou em pânico achando que era um fato real, que os Ets tinham chegado. Isso o levou a ter carta branca para fazer um primeiro filme, que acabou sendo também um projeto autodestrutivo, quase suicida. Resolveu fazer uma biografia um pouco disfarçada de William Randolph Hearst, magnata da imprensa que como Kane flertou com o nazismo e tentou transformar sua amante Marion Davies em estrela de cinema. Logicamente Hearst não gostou e fez tudo para impedir o sucesso do filme, propôs até mesmo comprar os negativos da fita para destruí-la. Com a ajuda das colunistas de fofocas da época, em particular Louella Parsons, que trabalhava para ele e Louis B. Mayer (chefe da MGM, seu parceiro). Diante dessa pressão é até surpreendente que Cidadão Kane tenha sido indicado ao Oscar de melhor filme e ganhado o de melhor roteiro original. Na verdade, foi ainda indicado como melhor ator (Welles), direção de arte, fotografia, montagem, direção, trilha musical, filme e som.

Fracasso de bilheteria na época, era realmente ousado em seus recursos narrativos (aliás onde é até hoje). Usava profusamente dos flashbacks para reconstruir a vida secreta de quem teria sido Kane, as vezes até mesmo com depoimentos contraditórios e cinejornais forjados. Ajudado no roteiro de Herman Mankiweciz, irmão de Joseph (o famoso autor de A Malvada e Cleópatra), o filme é um quebra cabeças que só se soluciona na imagem final, onde se explica no final das contas quem ou o que teria sido “rosebud”. Logicamente a vida de nenhum homem pode ser reduzida a um mero objeto, por isso o filme foi inovador em outros aspectos, desde a cenografia expressionista, mostrando os raramente vistos tetos das casas, principalmente do palácio de Xanadu. Mas foi na fotografia ajudado pelo grande Gregg Toland que Welles mais experimentou. Principalmente na chamada profundidade de campo, ou seja mostrando as figuras no primeiro plano tão nítidas quanto no fundo. Um trabalho difícil que para conseguir isso era necessário utilizar um número enorme de refletores. E por uma equipe de montadores que inclui os futuros diretores Mark Robson e Robert Wise. Há outros fatores técnicos para admirar: a utilização criativa do som, os efeitos de contraluz, os elementos simbólicos – as caixas que parecem arranha-céus – movimentos criativos de câmera, o “travelling” vertical mostrando os operários reagindo a falta de talento da Sra. Kane. Mas Cidadão Kane é um filme que resiste a qualquer análise. E a cada revisão a gente descobre algum detalhe (desta vez foi perceber que o personagem do parceiro, Mr. Bernstein, era caracterizado como Judeu, fazia o personagem com humor (não caricatura mas divertido) e é o único que se dá ao luxo de quebrar a barreira e olhar diretamente para a câmera, não uma, mas diversas vezes!

Talvez o ponto mais fraco do filme seja o elenco, que foi composto por membros do antigo teatro Mercury do rádio criado por Orson. Welles já tinha sua mania de usar excesso de maquiagem para disfarçar seu nariz pequeno. Agnes Moorehead, do seriado A Feiticeira fazia sua mãe, numa participação pequena demais, o futuro astro Joseph Cotten era o melhor amigo. Apesar de tudo não é um filme perfeito. Certos críticos reclamam que certos personagens contam incidentes que não poderiam ter observado e o recurso psicológico de “rosebud” pode parecer piegas demais. Cidadão Kane talvez não seja o filme de que a gente mais goste, mas certamente é realmente um dos melhores da história do cinema e do século vinte.

Bastidores: O filme RKO 281, que acompanha a edição em Blu-ray do filme, confirmava a teoria atual de que Welles fez assumidamente uma biografia de William R. Hearst e realmente arriscou seu pescoço e carreira por isso. “Rosebud” literalmente quer dizer “botão de rosa” mas seria também a forma carinhosa como Hearst se referia ao “sexo” de sua amante. O depois famoso Alan Ladd faz uma ponta com fala como um repórter já no final quando estão mexendo na quinquilharia que ele deixou. Hearst e sua amante Marion Davies realmente tinham uma mansão que lembra um pouco Xanadu, que ficava no meio do caminho na estrada à beira mar que liga Los Angeles a San Francisco, é um palácio aberto a visitação publica que é espetacular e absurdo (com seu material importado como no filme). O que os críticos mais reclamam do filme é o fato de dar uma impressão errada de Marion, que na verdade era uma comediante deliciosa (palavra deles, infelizmente mal a conheço) apesar dos filmes dela (para a MGM) serem de certa forma produzidos por Hearst (que também dava apoio total aos filmes da Metro em seus jornais e revistas). Ou seja, tinha talento e não era como a amante cantora de Kane no filme (também era uma mulher ainda que alcoólatra, de grande coração, quando Hearst ficou mal de vida, ela vendeu suas joias e o ajudou mesmo não sendo casada legalmente com ele. É interessante lembrar também que este Hearst é o avô da famosa Patricia Hearst, que foi sequestrada por terroristas e acabou os ajudando. Mais tarde fez pontas em filmes de John Waters). 

Mais Kane:  Você pode ter visto Cidadão Kane muitas vezes, mas só recentemente que ele foi restaurado. Não do negativo original, porque ele foi destruído num incêndio, mas mesmo assim com certeza a fotografia do mestre Greg Toland nunca esteve tão esplendorosa.

Há um documentário que ajuda a entender mais os detalhes, A Batalha por Cidadão Kane (The Battle Over Citizen Kane, de 1996), produzido e dirigido por Thomas Lennon e Michael Epstein. Um critico já falecido Roger Ebert dava em home video uma verdadeira aula sobre o tema. Uma das coisas que ele comprova é que o filme foi feito com um orçamento muito baixo, o set que mostra a redação do jornal também será usado depois como o centro da campanha eleitoral de Kane e ainda numa grande festa para comemorar suas vitórias. Isso quando a censura proibiu a intenção original do roteiro que era fazer isso acontecer num bordel. Quase todos os sets são reaproveitados de outros filmes dos estúdios da RKO, por exemplo, a boate foi tirada de um velho faroeste e a escadaria já estava pronta noutro galpão que por sinal hoje pertence aos estúdios da Paramount.

Welles embora tivesse um enorme ego na verdade procurou ser humilde. Nos letreiros do filme, seu nome aparece em último lugar dentre os atores e em vez de ter um letreiro exclusivo para seu nome fez questão de compartilhá-lo com seu mais estreito colaborador, o fotógrafo Toland, que por sinal faz uma ponta no filme, interpreta o repórter de rádio que está entrevistando Kane.

Outro detalhe curioso: quando fala as palavras Rosebud aparentemente Welles está sozinho em seu quarto. No entanto havia uma testemunha que nunca aparece, é o mordomo Paul Stewart , um sujeito desonesto que mais tarde comenta o fato para um jornalista que está fazendo a pesquisa e que acaba sendo o fio condutor da história, William Alland. Mas Rosebud é apenas um pretexto.

Falaram muito nas inovações técnicas da fita, e se prestarem atenção reparem como aparecem os tetos, é que eles foram construídos muito mais baixo do que o normal. Na sequência quase de comédia musical,Welles praticamente bate como a mão no teto!. Eles foram construídos dessa forma também para ajudar na iluminação. Nessa mesma cena dá para perceber quando as luzes do teto são acesas e até no canto esquerdo dá para perceber bem os spots de luz que estão no chão.

O curioso também é que o filme em geral usa de efeitos especiais, seja a chamada Matte Paiting, pinturas que sobrepostas na imagem davam a impressão de que existia mesmo o castelo de Kane ou seu jornal. Na verdade, tudo era truque visual. Tanto que Ebert afirma que Kane é a fita que mais usou de efeitos até Star Wars nos anos 60 . E dá para perceber, basta ter o olho afiado.

O travelling vertical é um dos planos mais famosos do cinema, quando a câmera vai subindo durante a estreia de Mrs Kane como cantora de ópera. Repare bem: na verdade ela não é um movimento continuo, há uma edição, dá para perceber as emendas, primeiro encaixando um desenho, depois cortando para outra cena onde os maquinistas demonstram apenas com um gesto o desagrado que sentem pela performance da cantora. Esses efeitos acontecem o tempo todo unindo por vezes duas cenas diferentes, por exemplo, Welles esta em primeiro plano e na montagem isso foi colado com outra imagem, só assim é que conseguiram este efeito de profundidade. Noutro plano famoso há também dois truques, primeiro os luminosos que se abrem para dar passagem para a câmera. Depois um discreto corte em fusão. Welles usou com frequência movimentos contínuos, quase sem cortes. Um dos mais impressionantes é este, que sai do rosto de Agnes Moorehead como a mãe do menino Kane, faz um travelling e vai encontrá-los lá fora, ficando ainda muito tempo num plano continuo.

Há outros detalhes curiosos, aqui, por exemplo, na primeira vez em que se a futura Mrs. Kane já dá para perceber o objeto com que Kane terá na mão na hora da morte. Numa cena na escadaria Welles caiu e machucou o tornozelo e passou grande parte do filme disfarçando que estava machucado. Aqui quando tem uma crise e quebra todo o quarto, feriu a mão e tentou esconder o corte, porque a cena não poderia ser repetida novamente.

Nem tudo também foi perfeito, embora a maquiagem do filme seja formidável conseguindo envelhecer o jovem Welles que tinha apenas 25 anos ela errou na cena que mostra Joseph Cotten velho. Não conseguiram resolver o problema , para disfarçar que ele esta usando óculos e um chapeuzinho que esconde a peruca que não deu certo.

Ao contrário do que todo mundo pensava, Kane foi um filme barato realizado com imaginação. O clima é criado as vezes apenas por um efeito de luz , com apenas três atores. Mesmo o palácio de Kane é feito por objetos esparsos ou vitrais. Não é a toa que Welles descreveu o cinema como o maior brinquedo que qualquer criança poderia ter em sua vida.

Já falamos dos Oscars (é importante relembrar que o filme que ganhou dele, Como era verde meu Vale de John Ford também era corajoso ao abordar tema social!). A Academia até que o prestigiou bastante.O maior feito do filme porém é não ter sido indicado para melhor efeitos especiais, só naquele ano os finalistas foram oito. Esse foi o maior truque de Welles, que sempre adorou se passar como mágico. Não deixou ninguém perceber a técnica da magia que estava fazendo.

Nunca antes eu havia prestado atenção no trailer do filme, narrado por Welles, que começa comandando um microfone móvel, o chamado Boom, mas que para não contar muito sobre a história preferiu intrigar a plateia. Primeiro apresenta em imagens inéditas todos os integrantes do Mercury Theatre que participam do filme (é bom para lembrar a gente de que eles já eram famosos principalmente por causa de seu trabalho no rádio e na emissão do Guerra dos Mundos). Assim eles todos desfilam para a câmera, sorrindo, no caso de Everett Sloane chega a fazer uma palhaçada, vem correndo e quase bate num espelho. Depois Welles filmou uma sequência onde se pergunta quem era Kane, herói ou bandido. E mostra uma edição muito bem feita, primeiro falando mal de Kane (as imagens me pareceram quase todas originais, feitas só para este trailer) e depois elogiando-o (o personagem, não o filme). Vale a pena conhecer.

Houve outro filme sobre o assunto, que foi RKO 207 (não saiu aqui em DVD, apenas passou em TV por assinatura). É uma produção da HBO Pictures, em 1999, dirigida por Benjamin Ross (que antes havia realizado O Livro Secreto do Jovem Envenenador, 95 e depois não marcou com Guilty Hearts, 06, Poppy Shakespeare (TV), e em 2010, Thorny Scared Cat. Produzido por Ridley e Tony Scott, tem roteiro de John Logan (Sweeney Todd, O Aviador e o próximo Bond 23) baseado no documentário mencionado acima. Quem faz o papel de Welles é Liev Schreiber (o irmão de Wolverine) que não se parece muito com ele!, enquanto Melanie Griffith faz a amante de Hearst Marion Davies (Hearst é vivido por James Cronwell). O ótimo elenco inclui John Malkovich (como o roteirista Herman Mankiewicz), a inglesa Brenda Blethyn (como Louella Parsons), Fiona Shaw (como Hedda Hopper), Roy Scheider, Liam Cunningham (como Greg Toland) e David Suchet (como Louis B.Mayer). É muito bem feito e informativo. Ganhou os Emmys de música, mixagem, elenco, foi indicado para direção de arte, direção, ator (Liev), penteados, filme, montagem, coadjuvante (Malkovich), roteiro e coadjuvante (Melanie). Ganhou Globo de ouro de melhor telefilme e foi indicado por Liev e Melanie. Ganhou também Sindicato dos Roteiristas. Um detalhe: quanto as cenas cortadas, limitam-se a três delas mostradas em storyboard, sendo que apenas uma, a do bordel, havia sido de fato feita ( e assim mesmo só sobraram algumas fotos) antes de ser proibida pela censura do Código Hays. As outras são num iate com Susan montando quebra-cabeça e uma ceninha de um porto. Ou seja, nada substancial.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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