Gritos e Sussuros, de Bergman, retorna no CineSesc em Verso Restaurada

Gritos e Sussuros, de Bergman, retorna no CineSesc em Verso Restaurada. Estreia dia 28 de abril em So Paulo.

29/04/2016 15:47 Por Rubens Ewald Filho
Gritos e Sussuros, de Bergman, retorna no CineSesc em Vers達o Restaurada

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Gritos e Sussurros (Cries and Whispers/Viskningar och rop)

Suécia, 1973, 91 min. Direção e roteiro de Ingmar Bergman. Fotografia de Sven Nykvist. Música de Chopin e Bach. Com Harriet Andersson, Ingrid Thulin, Kari Sylwan, Liv Ullman, Erland Josephson, Henning Moritzen, George Arlin.

 

Sinopse: Enquanto Agnes agoniza e a criada cuida dela, as duas irmãs vem visitá-la na mansão familiar. Quando o filme começa a doença de Agnes piorou e o médico declarou que ela tem pouco tempo de vida.

Bastidores: Premiado com o Oscar de fotografia foi indicado a melhor filme, roteiro e direção. Bergman numa carta à equipe descreveu seus personagens centrais: “Agnes é a dona de casa onde vive desde a morte de seus pais. Tem vagas intenções artísticas, pinta um pouco, tudo de maneira um pouco patética, nenhum homem entrou em sua vida. Para ela , o amor foi apenas um segredo bem guardado. Perto dos 30 anos ficou com câncer e se prepara para deixar o mundo com a mesma calma e resignação com que viveu. Karen, dois anos mais velha, casou-se com um homem rico e mais velho, instalou-se em outra região. Mas o casamento é um fracasso. Mas não foi tocada nem pelos cinco filhos, nem pela tristeza de sua união. Mas dissimula um rancor contra a vida. Sua tristeza e desespero se manifestam apenas em seus sonhos.

Maria é a caçula das irmãs, rica e bem casada, com homem bonito e boa posição social, com uma filha mimada. Se acha bonita e as possibilidades de prazer que seu corpo oferece. Não tem a menor ideia do mundo que a cerca. Basta-se a si mesma e nunca é limitada por regras morais ou dos outros.

Ana, a empregada da casa, muito jovem teve uma filha e Agnes cuidou dela e da criança. O que criou um grande laço entre elas. A criança morreu quando tinha 3 anos mas a amizade permaneceu. É difícil mas está sempre presente, tudo espia e escuta. Nunca diz nada, talvez nem pense tampouco.”

Critica: Uma verdadeira obra de arte, acabada, perfeita, complexa, sujeita a mil interpretações e ainda assim simples e acessível ao nível de emoção. A ação se desenrola no começo do século, as mulheres vestem roupas caras, que as dissimulam e valorizam ( é inútil precisar a data exata, pode ser o começo do século, 1890 ou 80), mas o figurino pretende estar de acordo com o desejo do diretor de sugestão sensual.

A mesma coisa com a cenografia funcional que permitam a iluminação que sugerem “auroras que não pareçam crepúsculos, a luminosidade adocicada de um bosque, a misteriosa claridade indireta dos dias de névoa, a luz atenuada de uma lâmpada à querosene, a doçura dos dias de outono ensolarado, uma neve perdida nas trevas da noite e todas as sobras que se movem quando um personagem atravessa um quarto rapidamente”.

Se por acaso uma catástrofe destruísse a civilização bastaria que fosse preservada uma cópia deste filme para que os arqueólogos do futuro pudessem ter uma ideia precisa da natureza humana. Este filme é uma síntese de todos os temores, fraquezas, ilusões,misérias e alegrias da alma, é um grito desesperado, uma prece sussurrada, um uivo de desespero, é o ser humano desnudo e impotente diante dos grandes mistérios para os quais não há resposta: a vida, a morte, a felicidade, o relacionamento entre o homem e a mulher, entre irmãos e entre diferentes classes. O tempo impassível que devora as horas, tudo isso, Bergman filtrou nesta sua obra-prima. Uma fita que redime o cinema.

Diante de uma obra perfeita é difícil fornecer explicações.

É uma aula de cinema. São quatro atrizes extraordinárias, impossíveis de serem destacadas. Mas porque o diretor utilizou um ambiente vermelho e faz as mudanças de cena sempre com essa cor? O próprio Bergman não sabe explicar direito, diz que lembra da primeira imagem que teve, mulheres de branco andando por quartos vermelhos e numa análise mais profunda chega a um velho mito infantil, a identificação da alma como uma grande membrana vermelha.

Este filme é diferente dos anteriores, primeiro porque as filmagens foram sem problemas. Depois Bergman confessa que foi tudo como um sonho. “Deixei os personagens evoluírem como queriam, como sentiam, sem saber exatamente o que eu pretendia. Escrevi a história para saber o que essas quatro mulheres no quarto vermelho queriam de mim. Por isso, me sinto um pouco ‘médium’”. Mas também admite que foi sua primeira tentativa de retratar sua própria história, descrevendo-a sob a forma de quatro mulheres diferentes.

 Há no filme uma cena autobiográfica, a da menina atrás da cortina branca que olha a mãe escondida. Bergman novamente explora o universo feminino, a quem considera mais interessante. Duas cenas chocantes tornaram o filme famoso: Quando Ingrid Thulin mutila-se com um caco de vidro para não Ter relações com o marido e a agonia de Agnes (Harriet, aliás ela e Ingrid são velhas parceiras de Bergman em muitos filmes), um dos momentos mais angustiantes e realistas do cinema.

 Tudo é feito à luz clara de uma tarde, que para Bergman não existe nada mais aterrador do que a luz forte do sol. O personagem da empregada Ana é o que mais surpreende (além de sua maravilhosa versão da obra Pietá de Michelangelo que é aqui recriada), já que representa outra classe e por isso é meio pária. Mas o importante é que ela ama de uma forma natural, instintiva, sem refletir e sem pedir nada em troca. Não se importa em ser mal tratada. O amor verdadeiro é quase sempre muito mal tratado (confirma ele).

 O mais difícil de aceitar no filme é justamente a sequência em que Ana depois da morte de Agnes sente durante a noite seu grito desesperado de socorro. Um apelo à que as irmãs –por falta de amor- são incapazes de atender. A explicação oficial do diretor é que “depois da morte nada existe. Passa-se de um estado concreto ao nada absoluto”.No último terço da fita passa-se de uma descrição real à um estilo de narração próximo da lenda, ou Saga. Para depois retornar à realidade.

 Assim toda a cena de Agnes no leito poderia muito bem ser o sonho da empregada ou qualquer outra coisa. Fica o campo livre para qualquer interpretação. (Diz Bergman “minha opinião pessoal, morreu, morreu, graças a Deus”).

Essa explicação não me convence, se Bergman não acredita em Deus, está caminhando para isso. Quando o Pastor fala de Agnes é como se o próprio Bergman pedisse socorro: “Se há algum Deus na plateia que se apresenta e nos ajude, a nós que ainda continuamos vivos”. A partir daí o desespero de Agnes ou de sua alma torturada que não pode deixar aquela casa, no entender dos espiritualistas, só é superado em sensibilidade, pela imagem final. As quatro mulheres andando no jardim, “estar cercado das pessoas que se ama, isso deve ser o que chamam de felicidade”, dizem elas. Talvez estejam certos também os que vem na fita uma homenagem ao autor russo Tchecov (que fez As Três Irmãs como um adeus à grandeza da burguesia decadente, o último suspiro de uma época pré-revolucionária). Ou mesmo os que admitem que o personagem de Thulin, essa dama intelectual e um pouco neurótica, tome frequentemente a forma de um auto-retrato do autor. A última palavra é dele: “Infelizmente somos e permanecemos analfabetos em termos de sensibilidade e sensações morais. Todos nós bloqueamos nossos sentidos. Na escola aprendemos tudo sobre história ou matemática mas nada sobre como funciona a alma e o espírito. Não tenho certeza que eu mesmo entenda Gritos e Sussurros inteiramente. Digo sempre como Stravinsky, “nunca entendi completamente uma obra de arte. Eu somente a vivi“.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho jornalista formado pela Universidade Catlica de Santos (UniSantos), alm de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados crticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veculos comunica艫o do pas, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de So Paulo, alm de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a dcada de 1980). Seus guias impressos anuais so tidos como a melhor referncia em lngua portuguesa sobre a stima arte. Rubens j assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e sempre requisitado para falar dos indicados na poca da premia艫o do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma cole艫o particular dos filmes em que ela participou. Fez participa苺es em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minissries, incluindo as duas adapta苺es de “ramos Seis” de Maria Jos Dupr. Ainda criana, comeou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, alm do ttulo, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informa苺es. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionrio de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o nico de seu gnero no Brasil.

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