O Espectador, O Co e a Obra de Arte

A paixo de Ana d sequncia utiliza艫o de sutis e espaados interstcios metalingusticos que Bergman comeara a executar em Persona (1966) e A hora do lobo (1968)

22/12/2018 23:19 Por Eron Duarte Fagundes
O Espectador, O C達o e a Obra de Arte

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Num dos extras que compõem o disco de A paixão de Ana (En passion; 1970), obra-prima do sueco Ingmar Bergman lançada em dvd entre nós pela Versátil e pela Metro-Goldwyn Mayer, a atriz Liv Ullmann, um dos rostos habituais da filmografia do cineasta, conta a história do cãozinho que aparece no filme, da ojeriza inicial entre Bergman e o animal, da aproximação entre ambos que se deu, da maneira como o bichinho passou a devotar-se a Bergman mais do que a ela que era sua dona antes de Bergman entrar na vida de Liv. E o que mais chama a atenção no depoimento da intérprete é a precisão emocional com que ela descreve a maneira como Pet (este era o nome do cão) se acomodava para observar Bergman escrevendo seus roteiros, a admiração com que o cão via Bergman trabalhar. Diante de cada grande filme de Bergman, o observador pode invejar este cão que via a gênese do trabalho; ou ser um pouco esperto como este cão e usurpar os roteiros do realizador, espalhando por aí que foi ele (cão ou espectador) quem escreveu estes encantamentos.

A paixão de Ana dá sequência à utilização de sutis e espaçados interstícios metalinguísticos que Bergman começara a executar em Persona (1966) e A hora do lobo (1968). Sabe-se que a metalinguagem foi instaurada de maneira radical nos anos 60 pelo franco-suíço Jean-Luc Godard. Sem violentar a profundidade de seu cinema espiritual, Bergman não deixou de aderir a essa revolução, à sua maneira. Em quatro sequências de A paixão de Ana Bergman enquadra as claquetes e põe, em cada uma destas sequências e cada um por sua vez, os atores Max Von Sydow, Liv Ullmann, Bibi Andersson e Erland Josephson a falarem de suas evasivas personagens; nada que impeça a maravilhosa e rigorosa fluência com que Bergman encena os contratempos humanos à sua disposição. As criaturas de A paixão de Ana não são nada claras e o mais das vezes se perturbam num estranho jogo de espelhos umas com as outras. Anna, vivida por Liv, é viúva e no começo, amparada numa muleta que acusa um acidente onde seu marido teria falecido, se aproxima de Andreas, interpretado por Max, pedindo para usar o telefone dele. Logo se descobre que o nome do defunto marido de Anna era também Andreas, e o vaivém do relacionamento de Anna e Andreas no presente se confunde com o relacionamento do antigo casamento de Anna. A presença de um casal-contraponto (as personagens de Erland e Bibi) é um recurso bastante bergmaniano, basta lembrar Cenas de um casamento (1974), ou mais recuadamente em certos espelhos íntimos de Morangos silvestres (1957).

Bibi Andersson, num outro extra do disco, afirma que participar do processo criativo de Bergman foi uma altura que ela jamais pôde atingir, mesmo que ainda continue gostando de atuar. Pois é bem isto: o cão (que no filme é vítima duma tentativa de enforcamento traiçoeiro e é recolhido pela personagem de Max), Bibi, nós e Bergman somos componentes de uma determinada magia de cinema que não se repete.

 

 

(Eron Duarte Fagundes @dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publica苺es de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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