Pessimo e Livre: O Melhor de Craven - Uma Obra-Prima dos Subterraneos

Com Aniversario Macabro o cineasta norte-americano Wes Craven dava o pontape inicial duma filmografia marcada pelo barroquismo do horror

03/02/2024 02:43 Por Eron Duarte Fagundes
Pessimo e Livre: O Melhor de Craven - Uma Obra-Prima dos Subterraneos

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Com Aniversário macabro (The last house on the left; 1972) o cineasta norte-americano Wes Craven dava o pontapé inicial duma filmografia marcada pelo barroquismo do horror: sustos, sangue, crueldade (e crueza) e gritos gigantescos que muitas vezes parecem mais endereçados aos aficcionados do gênero. O frescor amadorístico da realização, nascido em boa parte dos escassos recursos financeiros da produção, tem dividido historicamente os que se debruçam sobre este trabalho inaugural de Craven; a partir de A hora do pesadelo (1984) e, mais ainda, com Pânico (1996), o cineasta passou a contar com os favores da indústria e, sem perder de todo seu processo originalmente colegial de filmar, tornou-se mais visível para o público educado pelo visual hollywoodiano. Aniversário macabro, apesar de corresponder a um gênero de fácil aceitação do público dos anos 70 e 80 especialmente, tinha o incômodo de ser uma rodagem caseira demais para aquilo que nossos olhos viam habitualmente nas telas. Caberia referir para o filme de estreia de Craven o que dizia o brasileiro Rogério Sganzerla de O bandido da luz vermelha (1968), “um cinema péssimo e livre”. Este adjetivo, “péssimo”, contém o paradoxo: péssimo do ponto de vista clássico mas revolucionário, isto é, um grande cinema. Com o passar dos anos Aniversário macabro tornou-se uma obra-prima dos subterrâneos: mais ainda, das catacumbas. Não há relação alguma entre os delírios cinematográficos de Sganzerla nos anos 60 e estes que Craven punha na cena começo da década de 70. Ambos são formalistas, cada um à sua maneira, e tornam muitas vezes o caminho da evasão diante duma realidade; mas o cinema comercial americano, este mesmo em que Craven depois se inseriu, não descarta amiúde o formalismo, porém de um outro jeito, mais ilusório. Aniversário macabro é uma narrativa fílmica que, em sendo uma historieta de horror quase abstrata de significados, capta, por algum processo que ligou a realidade exterior ao sentimento ou execução estéticos, algumas situações do universo americano e ocidental daqueles anos. As drogas, a violência e as insatisfações íntimas dos indivíduos estão em Aniversário macabro. Este desespero diante do abismo pode ser captado em outros filmes de então: Motorista de táxi (1976), de Martin Scorsese, e À procura de Mr. Goodbar (1977), de Richard Brooks, dois retratos dos subterrâneos, ou esgotos, da América. Os drogados e os violentos de Craven, o neurótico de Scorsese e a garota extremamente sexualizada de Brooks chegam a seus limites sem saber bem o que fazer de si mesmos. Aniversário macabro é o mais despudorado e evasivo destes filmes. Nunca mais reencontraremos um Craven tão autêntico quanto este: coisas que só na juventude, imatura, péssima, libertária, ele poderia fazer.

Há algumas curiosidades. O produtor de Aniversário macabro é Sean S. Cunningham, que depois, como realizador, iniciaria a série de filmes Sexta-feira treze. Como Craven, para além de dedicar-se ao horror, é um cinéfilo, algo comum nesta geração que teve Francis Ford Coppola e Woody Allen e Martin Scorsese, o roteiro desta sua peça cinematográfica introdutória retira algumas situações essenciais do clássico A fonte da donzela (1960), do sueco Ingmar Bergman. Em Bergman uma menina virgem de 15 anos é estuprada e morta por bandidos. Em Craven duas adolescentes no caminho dum aniversário são sequestradas e violentadas por um grupo sombrio, ameaçador, violento. Tanto em Bergman quanto em Craven, os criminosos vão buscar abrigo na casa das vítimas e, quando os familiares descobrem quem são eles, a família, para executar a vingança, se torna tão violenta quanto o foram os facínoras em seu crime. Mas o que se disse da relação entre Sganzerla e Craven, aqui ainda mais se dirá de Bergman e Craven: nada a ver. A fonte da donzela propõe um questionamento ético e religioso. Aniversário macabro faz uma reflexão (mais sensorial que cerebral: antiBergman) em torno das relações entre a boa família burguesa e a selvageria de alguns escondidos nas sombras, algo que Craven reiteraria no seu outro grande trabalho, Quadrilha de sádicos (1997).

Diz-se de Aniversário macabro que é mal filmado e interpretado de maneira constrangedora. No entanto, este mal filmado e estes não-intérpretes rasgam o véu e fazem Aniversário macabro transbordar de seu gueto.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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