Todas as Comunidades Cinematograficas se Parecem, por Geracoes

Eu que Amava Tanto o Cinema: um grito nostalgico com uma certa atualidade desconsolada

31/07/2023 14:44 Por Eron Duarte Fagundes
Todas as Comunidades Cinematograficas se Parecem, por Geracoes

tamanho da fonte | Diminuir Aumentar

 

De uma certa maneira, há alguns dados constantes (alguns difíceis de definir em palavras) que as gerações de cinéfilos em qualquer lugar do mundo reproduzem. Para um cinéfilo formado um pouco na década de 70 e muito na década de 80 do século passado, como este comentarista, ler Eu que amava tanto o cinema (2022), uma peça de reconstituição duma época de cinefilia no Rio de Janeiro naqueles anos escrita por Marcelo França Mendes, é também uma catarse com meu próprio tempo histórico. É verdade que, viajante e amante do Rio, fui muitas vezes à cidade de Marcelo, estive em sessões do Cineclube Estação Botafogo, frequentei dois FESTRIOS, o que ajuda na identificação, um gaúcho entre cariocas numa paixão comum, o cinema, as salas. Mas é mais do que isto: o empenho em montar salas e mostras alternativas para ver filmes, as dificuldades destes empreendimentos, os desentendimentos com amigos por visões diferentes na maneira de fazer as coisas, as inconstâncias e a irritabilidade da juventude, tudo o que Marcelo conta do Rio cinematográfico, bom, com pequenas variantes, eu vi em Porto Alegre pela mesma década. Demais, se eu estive no Rio a ver cinema em ocasiões importantes (a descoberta no Brasil de Minha adorável lavanderia, 1985, do inglês Stephen Frears, no FESTRIO de novembro de 1986), Marcelo esteve duas vezes no Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul, uma delas (em 1989) para ver a consagração de Ilha das flores, do gaúcho Jorge Furtado, uma noite histórica à qual também compareci.

Eu que amava tanto o cinema parte da fundação do Cineclube Estação Botafogo, na elegante rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, como o impulso inicial da cinefilia carioca daquela geração. “O ambiente dos anos 1980 no Rio e no mundo, as nossas origens e a forma com a qual nos organizamos fizeram com que a iniciativa de abrir um cinema sem dinheiro, apenas com a vontade, se transformasse ao longe dos anos em algo talvez único na história, que transformou ou enriqueceu culturalmente a vida de muita gente.” Como se revela no livro, o Cineclube Estação Botafogo nasceu do deslocamento dum grupo de amigos que frequentava ou dominava as sessões do Cineclube Macunaíma. As tensões culturais e sócio-econômicas do Botafogo se expressam com clareza ao longo do livro de Marcelo. “A vida desse cineclube sempre foi assim, entre a glória e o desespero.”

A emoção que Marcelo traduz em suas reminiscências é a emoção de todo cinéfilo, e quem lê o livro é, quase certo, um cinéfilo, que já experimentou em algum momento algo parecido. “Foi uma sessão de Paris, Texas para a imprensa, pela manhã, e quando o símbolo da Palma de Ouro bateu na tela parei de respirar por alguns instantes.” Há alusões que podem dizer mais a uns cinéfilos, menos a outros, como quando ele alude a este crítico brilhante que é José Carlos Avellar. “Boa parte dos meus amigos deve algo de sua formação cinéfila  a José Carlos Avellar, que faleceu hoje.” Em determinado momento Marcelo refere um projecionista surdo, que não ouvia os urros da plateia quando a projeção escurecia ou se desfocava; em Porto Alegre tínhamos no Clube de Cinema nos anos 80 um velho projecionista quase cego. As experiências cinefílicas da mesma geração, aqui e acolá, se aproximam.

Eu que amava tanto o cinema é um grito nostálgico com uma certa atualidade desconsolada. “Posso dizer que eu, hoje, não amo tanto o cinema quanto o amava.” O livro traz seu fecho no jogo lá do início, remetendo à visão de O sétimo selo, uma das muitas obras-primas do sueco Ingmar Bergman. “A vida é imprevisível, é um jogo de xadrez em que não vemos o tabuleiro nem as peças, e onde também muitas vezes não conhecemos nosso adversário. Iniciamos, jogamos e terminamos muitas partidas durante a vida, é um jogo de tentativas, erros e acertos. Diferentemente do Cavaleiro, nunca sabemos quando será nossa última vez.” Certo: nada de novo debaixo do sol. Mas é o que temos: viver os tempos históricos que nos cabem.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

Linha
tamanho da fonte | Diminuir Aumentar
Linha

Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

Linha

relacionados

Todas as máterias

Efetue seu login

O DVDMagazine mantém você conectado aos seus amigos e atualizado sobre tudo o que acontece com eles. Compartilhe, comente e convide seus amigos!

E-mail
Senha
Esqueceu sua senha?

Não é cadastrado?

Bem vindo ao DVDMagazine. Ao se cadastrar você pode compartilhar suas preferências, comentar ou convidar seus amigos para te "assistir". Cadastre-se já!

Nome Completo
Sexo
Data de Nascimento
E-mail
Senha
Confirme sua Senha
Aceito os Termos de Cadastro