O Espaco Cinematografico da Complexidade
O rigor e a plasticidade cinematograficos de Cristiane Oliveira se parecem com aquilo que vemos nos filmes de Julia Murat
Mulher do pai (2016), o primeiro filme longo rodado por Cristiane Oliveira, nasce das entranhas de Messalina (2004), um filme curto da cineasta. No centro da trama de Mulher do pai um homem cego depende da ajuda de sua velha mãe para encontrar seus espaços; com eles vive a filha adolescente do homem cego. No início do filme, a mãe do cego morre; cheia de indecisões e perplexidades, a filha assume os cuidados do pai diante da morte da avó. Ruben, o cego áspero e no entanto vital de Mulher do pai, é o prolongamento da garota cega de Messalina, a jovem que um dia, ao deparar com uma ligação dum orelhão, acaricia a ideia de experimentar ser prostituta. Diante da morte da mãe, Ruben terá de redirecionar sua vida, e também à sua filha; as relações pai-filha expostas por Mulher do pai são complexas, sinuosas, não se entregam facilmente à objetividade do espectador; a complexidade de filmar da realizadora se insinua no rigor plástico de seus planos, há uma lentidão exasperante e controlada para detectar o espaço cinematográfico entre-fronteiras visando a chegar ao íntimo das personagens. Este íntimo é devastado pelas coisas que o cercam: Ruben redescobre o universo da carne no relacionamento com sua professora uruguaia Rosario, a filha Nalu encontra um rapaz que depois será a descoberta carnal adiantada por conversas com uma amiga; incapazes de se afastarem e viverem plenamente suas próprias vidas, pai e filha têm uma estranha e ameaçadora proximidade.
O rigor e a plasticidade cinematográficos de Cristiane se parecem com aquilo que vemos nos filmes de Júlia Murat. Mas as coisas se passam diferentemente: os ingredientes são outros, o estilo de encenação tem outra dinâmica. Cristiane filma uma crise de transformação humana mais própria das criaturas do sul e da fronteira.
Além da extraordinária condução de imagem, impressiona a direção de atores. Cristiane harmoniza em grande relevo todo o conjunto de intérpretes. Naturalmente, o dueto entre o experiente Marat Descartes e a adolescente Maria Galant, notavelmente solta, natural, sem parecer rançosa em suas movimentações, é o posto alto de interpretações deste filme cujo brilho atravessa toda a narrativa.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br