A Sensibilidade e a Etica Cinematograficas de Marianna Brennand
A diretora brasiliense Marianna Brennand faz um filme pleno de sensibilidade e contencao em Manas (2024)


A diretora brasiliense Marianna Brennand faz um filme pleno de sensibilidade e contenção em Manas (2024). Valendo-se dum tema explosivo, inspirado por uma conversação da cineasta com a cantora Fafá de Belém, de origem amazônica, há muitos anos, a Brennand mantém o mesmo engenho e a mesma sutileza de filmar de Francisco Brennand (2012), um documentário em que ela buscava suas origens pernambucanas, ao retratar um tio-avô, um pintor. Manas trata dum assunto à beira do perigo: os casos de violências sexuais contra meninas da Ilha de Marajó, no Pará, dentro e fora dos lares, algo que a conversa com Fafá abriu de maneira cortante para Marianna. Diz a realizadora que optou pela ficção porque, se fosse pelo caminho documental, exporia as meninas a viver de novo a experiência duma dor profunda. Assim, Manas, em todos os seus aspectos, é tanto uma meditação cinematográfica quanto ética.
Sensível até a medula, a Brennand utiliza sua capacidade de dirigir atores (até certo ponto, surpreendente) para contar a história de Marcielle, uma jovem de treze anos cuja exploração sexual começa nas caçadas solitárias com seu pai e segue em sua subida às balsas aonde ia para vender produtos aos aventureiros que circulavam de embarcação pela bacia marajoara. É notável a forma como a estreante Janilli Correa casa sua interpretação com o modelo de filmar da diretora, tudo muito sutil e capaz de atingir uma leveza estética ainda nos tempos duros e torpes em que sua personagem vive. E não somente Janilli mas todo o elenco (Rômulo Braga como o pai, Fátima Macedo como a mãe) obedecem ao curso formal instaurado pela Brennand ao longo de Manas.
O título é Manas porque a personagem central viu sua irmã mais velha fugir para escapar aos maus tratos e tem uma relação íntima revelada em algumas intimidades de filmar (conversas) com a irmã mais nova. Mas o centro mesmo é Marcielle e suas alterações de visão de mundo que suas difíceis vivências no povoado trazem para a composição de sua personalidade como mulher do futuro no Brasil remoto.
A atriz paraense Dira Paes, excelente intérprete, ajuda na visibilidade deste filme às vezes tendendo para o incógnito, porque Dira é hoje também uma estrela da televisão. Saindo de seu casulo, Manas, ainda mais com seu prêmio feminino em Cannes para a diretora, pode revelar-se um dos achados do presente do cinema brasileiro, mais plural que nunca talvez.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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