O Cinema de Sensibilidade de Varda

Visages, Villages segue a linha autorreferencial que a cineasta Agnés Varda tem trilhado nos últimos anos

14/02/2018 11:55 Por Eron Duarte Fagundes
O Cinema de Sensibilidade de Varda

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O primeiro destaque do ano cinematográfico de 2018 é, pare estes olhos de cinema de tantas décadas, Visages, villages (Visages, villages; 2017), dirigido pela veteraníssima Agnès Varda coadjuvada pelo fotógrafo JR. Varda, belga de nascimento, é um dos principais nomes do cinema francês e assinou títulos expressivos como Cléo das 5 às 7 (1962), As duas faces da felicidade (1965), Sans toi ni loi (1985; no Brasil exibido como Os rejeitados) e, recentemente, As praias de Agnès (2008). Visages, villages segue a linha autorreferencial que Varda tem trilhado nos últimos anos; são as próprias experiências da cineasta, no cinema e na vida, que informam o roteiro e as andanças encenadas nestes filmes que ora parecem documentais (a vida em estado bruto todavia manejada por um olhar particular), ora superpõem ao documento esta sensibilidade do poético que Varda conduz em seu cinema desde sempre.

Como diz o título original francês, a que os tradutores brasileiros acresceram somente uma vírgula, Visages, villages põe em cena rostos de aldeia, faces interioranas. Varda vai para longe da corte filmar as pessoas simples, habitualmente esquecidas pelo cinema: trata-se duma outra captura do realismo cinematográfico. Aproximando-se dos noventa anos de idade, é sedutora ainda a energia de encenar de Varda; ao pôr-se no meio da cena que filma, juntamente com seu codiretor JR, Varda alarga a naturalidade de seu cinema, buscando novos pontos de contato entre o real e o encenado.

JR, o fotógrafo codiretor, é também alguém que ajuda Varda, diretora central do filme, a tornar-se a curiosa personagem do próprio filme. JR fotografa os olhos de Varda, os dedos de Varda, e põe uma gigantesca fotografia dos olhos e dos dedos dela nas laterais externas de um trem; o espectador vê o trem deslocando-se, com aqueles olhos e dedos enormes dum ser humano, e ouve a reflexão de JR, “agora seus olhos e seus dedos irão por onde este trem for, por onde você nunca andou, nem andará”. É um instante mágico, de artistas mesmo. Algo como aquela cena inicial do cadáver irreconhecível da criatura de Sandrine  Bonnaire na imagem de abertura de Sans toi ni loi, num buraco inóspito do terreno.

É claro que Visages, villages, conquanto busque a vida, não deixa de referenciar a melancolia cinematográfica, a citação fílmica nostálgica. É claro que Jean-Luc Godard está nesta referência. A admiração e a antiga amizade tornam ao coração de Varda: sem Godard, o cinema não seria o mesmo; ela evoca os bons tempos em que Godard e Anna Karina faziam refeições com ela  (Varda) e o marido dela, o igualmente diretor de cinema Jacques Demy (1931-1990), em restaurantes por aí. Varda fala para JR do filme curto Os amantes da ponte McDonald (1961), em que a realizadora de Duas mulheres, dois destinos (1976) filmou, brincando, o noivado de seus amigos Godard e Karina. Mas com Godard na filmagem de Visages, villages não deixa de vir junto a decepção, ou a tristeza. E Varda não deixa de filmar isto: não esconde nada. Propondo-se ir visitar Godard em seu recanto isolado, ela se põe na estrada com seu incansável JR; mas dá com a porta cerrada, em que Godard lhe deixou uma mensagem cifrada em que alude com sarcasmo a Demy, morto há anos, mas cuja alusão fere Varda, a magoa mesmo. Varda conclui que Godard é grande: mas é um cavalo; e apõe uma mensagem-resposta a Godard na porta.

Destas coisas intrínsecas entre a vida, o cinema e a vida cinematográfica de antanho é que é feita a beleza única de Visages, villages, um filme tão simples como os antigos, tão novo como os de hoje, uma narrativa em que as antigas películas em 16 mm poderiam encontrar as filmagens em celular do século XXI.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.co.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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