Um Leitor Deslumbrado

Paz, o ensaista, logra jogar toda sua inteligencia, toda sua notavel erudicao no caminho duma sensibilidade artistica poucas vezes alcancada por um autor do seculo XX

12/06/2025 02:00 Por Eron Duarte Fagundes
Um Leitor Deslumbrado

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O escritor mexicano Octavio Paz é acima de tudo um leitor de rara sensibilidade. Para bem escrever precisamos antes de tudo ler. Paz, o ensaísta, logra jogar toda sua inteligência, toda sua notável erudição no caminho duma sensibilidade artística poucas vezes alcançada por um autor do século XX.

Seu livro Sóror Juana Inés de la Cruz (1982) talvez possa inscrever-se num gênero de que se tem abusado nos últimos (vários) anos: a biografia. Segundo o falecido historiador gaúcho Décio Freitas, esta tendência deve-se ao forte individualismo do fim do século vinte. Ocorre que a obra de Paz nada tem que ver com isto: a aparente biografia duma personalidade converte-se logo num tratado de estética que cruza com um tratado histórico em que a percepção de artista do autor e a agudez de suas pesquisas dão a Sóror Juana um equilíbrio renascentista que na verdade é ultramoderno.

Sábio, Paz observa que “existe uma relação entre a vida e a obra de um escritor, mas ela nunca é simples. A vida não explica inteiramente a obra e esta tampouco explica a vida. Entre uma e outra há uma zona vazia, uma fenda.” Analisando as circunstâncias sociais e históricas em que viveu sua personagem, uma freira-poetisa da Nova Espanha do século XVII, esmiuçando a obscuridade de seu lado humano, Paz monta um notável afresco de uma sociedade, sem abdicar duma análise dos poemas; fica difícil saber em que Paz brilha mais, se no levantamento do mundo em que se produziu uma poetisa como Juana, se na afinidade com que ele estuda os versos desta mesma poetisa; toda esta grande montagem, que em mãos menos hábeis se tornaria difusa, não apresenta solução de continuidade, os diversos assuntos abordados por Paz a partir da figura de Juana (mesmo que às vezes sejam díspares) se entrelaçam como numa espiral que sobe ao infinito e de onde Paz logra, como ninguém, extrair o gozo de pensar. “Há alegria criadora em muitos desses poemas, esse gozo quase físico que nasce do bem fazer as coisas”, deslumbra-se Paz diante de algumas circunferências poéticas de Juana; ao referir-se assim a Juana, Paz, igualmente um artista, poderia estar aludindo a si mesmo. Ao debruçar-se sobre os versos de Juana, Paz descobre este gozo e quer ser tão bom quanto seu objeto produzindo o gozo da análise rara, dos achados críticos.

Na verdade, o livro de Paz é um mergulho tão profundo em sua matéria que não poderíamos chamar-lhe, senão por superficialidade conceitual, uma biografia. “Nenhuma alma, nenhuma vida podem ser reduzidas a uma biografia e menos a um diagnóstico psiquiátrico”, assevera Paz. Sóror Juana Inés de la Cruz é um tratado de estética de poesia ao lado dum tratado histórico sobre a literatura de língua espanhola no século XVII. Assim agindo, é comovente observar o esforço de Paz para separar o barroquismo de Juana dos muitos assemelhados que então poluíam a língua espanhola e outras neolatinas; ultrapassando o formalismo estruturalista, Paz joga sua inteligência na sensibilidade para chegar ao próprio coração da poesia dentro de um determinado meio social.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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