Pensar Sem Fronteiras
Afrontar Fronteiras, de Donaldo Schüler, é muito mais do que a aliteração provocativa de seus dois vocábulos-título
A pátria do intelectual é o pensamento. O resto é provincianismo: que diferença faz um solo diante das possibilidades da reflexão? Donaldo Schüler, nascido no interior de Santa Catarina, é um pensador gaúcho e brasileiro que pode respirar bem em qualquer centro cultural do mundo. É autor duma aventura intelectual pedregosa e única: traduzir o obscuro e devastador Finnegans Wake, de James Joyce. E agora brinda a seus leitores com a excelência de sua mente nos ensaios de Afrontar fronteiras (2012), onde dialoga com pensadores e pensamentos que circularam, fisicamente ou em ideias, pelos painéis do Fronteiras do pensamento, acontecimento cultural anual de Porto Alegre.
Na era da informática, Schüler começa com a palestra de Steven Pinker, que aponta: “Pensamento é computação.” E Schüler aduz: “Informação e computação residem em dados e relações lógicas que independem do meio físico que os conduz.” Mais adiante Schüler, que é um pouco um escritor à antiga, mas que não recusa modernizar suas asperezas clássicas, conversa com suas relações com o computador. “O computador agiu sobre mim. Há pouco, eu fazia meus apontamentos à lápis, hoje, se me tirarem o computador, sinto-me mutilado. Sem quem o use, o computador não sente falta de nada, não avança nem recua, está firmemente instalado sobre minha mesa de trabalho. Se sofrer abalos, sérios serão os prejuízos. Movo-me a cada instante, e a cada movimento o mundo é outro. Sem abalos, minha vida se arrastaria enfadonha até à sepultura.”
A informática, que conduz o pensamento hoje, não eliminou a escrita. Pode tê-la transformado. Mas não na essência. Schüler vai divagando: “Saber é escrever. A escrita não pode ser reduzida à escrita alfabética, nem a qualquer outro sistema de sinais. A escrita antecede a fala, torna a fala possível. O além-homem migrou para a disseminação, perceptível no acontecer que não deixa antever fim.”
Os intelectuais não deveríamos ter pátria. É claro que em muitas coisas deveremos ser determinados pelo solo de onde brotamos. Mas é preciso afrontar. Afrontar fronteiras é muito mais do que a aliteração provocativa de seus dois vocábulos-título: é uma ousada tentativa de esquivar-se a uma miudeza geográfica onde o pensamento não caberia.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br