Avellar Fora de Quadro

Ao ouvir o crítico carioca José Carlos Avellar falar do norte-americano Woody Allen, o ouvinte não pode deixar de pensar num Avellar que não está ali, mas que surge como evocação fora do quadro, o ouvinte é também leitor dos livros de José Carlos Avellar

21/01/2017 22:21 Por Eron Duarte Fagundes
Avellar Fora de Quadro

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Pós-escrito como pré-escrito: O texto abaixo foi escrito numa das duas únicas vezes em que topei com o crítico de cinema José Carlos Avellar. Num tempo de tantas mortes inesperadas, de jogadores de futebol a Juiz de Direito, eis-me pensando em outro morto, não tão evocado, um simples pensador de filmes. Como eu às vezes sou. É meu necrológio tardio a uma das figuras da cultura brasileira que mais admiro: mestre José Carlos Avellar, como lhe chamou certa vez o cineasta Carlos Diegues.

 

Ao ouvir o crítico carioca José Carlos Avellar falar do norte-americano Woody Allen, o ouvinte não pode deixar de pensar num Avellar que não está ali, mas que surge como evocação fora do quadro, o ouvinte é também leitor dos livros de José Carlos Avellar; muitas ideias retomadas como síntese em sua audição já estavam esmiuçadas e aprofundadas nos livros que lemos, como aquela sequência de O mensageiro (1971), de Joseph Losey, o jogo de foco entre o primeiro plano duma abelha entre flores e o plano de fundo do garoto Leo no campo de um ponto a outro, a cena de Losey num comentário cinematográfico dos anos 70 ocupa longos e descritivos parágrafos para expor a essência cinematográfica do plano depois descaracterizada pela exibição do filme na televisão da época, na audição atual de Avellar a referência ao momento fílmico de Losey é para autenticar a importância da forma sobre a banalidade do conteúdo, nada melhor define o cinema de Woody Allen.

O curso ministrado por José Carlos Avellar deu-se em Porto Alegre nas manhãs de nove (sábado) e dez (domingo) de outubro de 2010, no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. É curiosa a passagem de um dos maiores ensaístas cinematográficos do país por este cenário. Nos anos 70 e 80 do século passado, no então microauditório do Museu o programador gaúcho Romeu Grimaldi (um dos nomes fundamentais do nosso meio cinematográfico porto-alegrense) punha à disposição títulos alternativos, alguns impagáveis, como Uma mulher suave (1969), obra-prima do francês Robert Bresson. É claro que os cenários do Museu de hoje estão muito diferentes e atualizados. Mas a evocação nostálgica para quem viveu aqueles anos é inevitável.

Como sempre, Avellar exibe a riqueza de sua inteligência cinematográfica. E alarga as possibilidades de interpretação do cinema de Woody Allen. Ao captar o embrião da brincadeira de Dirigindo no escuro (2002), de Allen, na tese densamente intelectual do cineasta alemão Alexander Kluge em sua obscura obra-prima O ataque do presente contra o restante do tempo (1985), Avellar exige de seu ouvinte uma amplidão crítica que não se circunscreve àquilo de que aparentemente se está falando no momento, naquela pequena sala. As explicações de como os trechos espontâneos e soltos de Allen podem ter origem no rigor formal do sueco Ingmar Bergman são outros dados que inquietam nas manifestações de Avellar. Exibindo pedaços de filmes (de Allen, preferencialmente, ou de outros, como o do cineasta cego de Kluge), aduzindo e refletindo, Avellar é o crítico na medida para o cinema pontuado e reflexivo de Allen. A audição de Avellar começou com sua voz baixa, de audibilidade exigente, e assim seguiu até o final; adaptando o ouvido da plateia à sua audição de câmara, Avellar dá mostras de sua elevada comunicação intelectual em cinema.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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