Navegando na Netflix: Beasts of No Nation
Procure assistir e que a Netflix continue com essa política de trazer o que há de mais novo e polêmico
Navegando na Netflix: Beasts of No Nation
EUA,15. 137 min. Direção, produção, roteiro e fotografia de Cary Joji Fukunaga. Com Idris Elba, Abraham Attah, Emmanuel Affadzi, Andrew Adote, Vera Antwi. Baseado em livro de Uzodinma Iweala.
Esta é a mais recente atração do Netflix em escala mundial. Pagaram 12 milhões de dólares pelos direitos para distribuírem junto com as salas de cinema americanas e VOD. Só que isso provocou um reação dos grandes exibidores que recusaram lançar o filme apesar de sua excelente repercussão critica e a participação do recente Festival de Veneza (onde ganhou prêmios da UNESCO e de melhor ator para o garoto Abraham). Depois passou em Telluride,Tóquio e Toronto. Fala-se também nele como certo concorrente ao Oscar (ao menos pela excelente interpretação do menino Abraham, natural de Ghana, onde o filme foi rodado e que teria nascido em 2000 segundo a Wikipedia). Outro destaque é o britânico Idris Elba, a mãe dele é de Ghana, o pai de Sierra Leone, já ganhou um Globo de Ouro pela série de TV Luther. Uma interpretação soberba que só será barrada se a Academia continua a ser preconceituosa (este é um filme inteiramente interpretado por negros, ao que parece quase todos amadores e todos mais que competentes). A única coisa que atrapalha é justamente a Academia cismar de achar que ele poderia ser desclassificado por sua pioneira exibição pela Netflix.
A principal atração do filme, porém é seu versátil diretor, Fukunaga, que é nascido na Califórnia de família japonesa, avó sueca com mistura ainda de inglês e alemão. O pai dele chegou a estar preso em campo de prisioneiros nos EUA depois de Pearl Harbor. Ele ficou famoso e respeitado por ter escrito e dirigido todos os 8 capítulos da serie da HBO, True Detective (com Matthew McConaughey). Nada teve a ver com a segunda temporada que ele rejeita. Dirigiu ainda o drama Sin Nombre, 09, sobre emigrantes mexicanos e Jane Eyre, 11 com Michael Fassbender.
Este seu novo trabalho é um tour de force que raramente se vê no cinema americano. Filmes como este só costumam ser realizados por europeus e com muito menos recursos (o orçamento parece ter sido por volta de 5 milhões de dólares). Uma história dramática, perturbadora e emocionante, sobre um garoto chamado Agu que começa esperto e aventureiro com sua família e amigos. Até quando a vila em que moram é atacada por forças do governo que matam quase todos indiscriminadamente. Perde tudo (a mãe e irmã mais nova conseguem escapar mas somem na confusão que vive o pais). De repente para sobreviver ele acaba se envolvendo no grupo rebelde FDL, que é liderado pelo chamado Comandante (Idris). Assim ele aprende a matar, obedecer ordens, faz um mergulho nos infernos e vai se tornando um adulto em corpo de criança. Rodado inteiramente em locações, muitas vezes em florestas (uma única sequência faz efeito com cor), não é um filme comercial, nem digestivo, nem mesmo bonitinho. Por vezes é cruel, sempre realista, sem alívios cômicos. Procure assistir e que a Netflix continue com essa política de trazer o que há de mais novo e polêmico.
Sobre o Colunista:
Rubens Ewald Filho
Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de Éramos Seis de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o Dicionário de Cineastas, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.