A Loucura Desde Dentro
A Flor Vermelha adquire um profundo sentido quando temos conhecimento da breve e desesperada biografia de seu autor


Um dos pontos máximos do conto russo é A flor vermelha (1883), de Vsêvolod Gárchin. Aqui estamos diante da loucura vista de seu interior: o asilo de malucos cenariza a alma da loucura. Abre-se:
“—Em nome de Sua Majestade o imperador Piotr Primeiro, declaro a inspeção deste asilo de loucos!”
A personagem central é um novo paciente do manicômio. Uma espécie de louco lúcido: compreende sua loucura, compreende o espaço em que se encontra. Este, o seu perigo: saber. Não é a loucura estridente de Erasmo de Roterdã. Talvez uma enfermaria número 6, à maneira de Tchekov. Ou as encucações do alienista de Machado de Assis. Ou as perplexidades dos anjos do universo dos islandês, Einar Már Gudnundson. “Ele compreendia que estava num asilo de loucos, compreendia mesmo que estava doente.” Que era essa compreensão? Mas aí vem a obsessão visual desorientadora: “Essa flor constituía o centro de todo o jardim, dominando-o, e se podia perceber que muitos doentes atribuíam a ela significado misterioso.”
Em seu ataque final, o doente se apossa violentamente da flor. Prende-a fortemente entre seus dedos. Voltando para o quarto, de manhã o encontram morto. A flor presa entre seus dedos. Não logram arrancá-la. “A mão estava bem rígida, e o finado levou seu troféu para a sepultura.”
A flor vermelha adquire um profundo sentido quando temos conhecimento da breve e desesperada biografia de seu autor. Nascido em 1855, a partir da década de 1880, Gárchin passou a sofrer de aguda depressão. Viveu então de hospital psiquiátrico em hospital psiquiátrico, nas condições de sua época. Cometeu suicídio em 1888, em São Petersburgo, aos 33 anos. A flor vermelha elucida e aprofunda muito de seus complexos de alma como ser humano.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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