Passageiros da Agonia na Franca dos 80

Noites de Paris traz um relato audiovisual de onde se exalam aromas nostalgicos

01/09/2023 13:46 Por Eron Duarte Fagundes
Passageiros da Agonia na Franca dos 80

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O realizador francês Mikhaël Hers disse que pretendia fazer um filme que tratasse de um tempo que era o tempo de sua infância, a década de 80 do século passado em que Hers viveu seus anos de criança. Noites de Paris (Les passagers de la nuit; 2022) traz, pois, um relato audiovisual de onde se exalam aromas nostálgicos. A sequência inicial situa historicamente a narrativa: notícias dão conta da vitória de François Miterrand, um socialista, na França, para presidência da República, e a animação das ruas, mostrada pela câmara, reflete o estado de coisas, frenético e de olho na esperança. Nestas ruas desponta na imagem a figura duma jovem, depois lhe saberemos o nome, Talulah (a bela caracterização da atriz Noée Abita), depois também saberemos de sua alma perdida em drogas, carências, falta de perspectivas.

No seu corpo narrativo, Noites de Paris parte do divórcio de sua personagem central, Élisabeth (Charlote Gainsbourg, outra vez magnífica), que na dura barra de sua separação tem os problemas de gerir as vidas de dois filhos adolescentes, Mathias e Judith. Como acontece com toda mulher (especialmente naqueles anos), as questões emocionais e financeiras se misturam num processo de divórcio, causando traumas que se entranham; em outro filme francês recente, Um outro mundo (2021), de Stéphane Brizé, as dificuldades duma mulher em viver o período de transição logo após uma separação matrimonial são igualmente postas. Tendo de trabalhar, Élisabeth vai parar num programa de rádio, onde conhece Vanda (Emmanuelle Béart), diretora e locutora do programa, e também Talulah, uma menina de rua a quem ela acolhe e que depois se envolve com Mathias, o filho de Élisabeth. Hers configura os difíceis processos sentimentais das personagens estruturando a sensibilidade narrativa sem grandes percalços.

Uma das citações cinematográficas que podem dar uma pista para a construção da forma de filmar de Hers é Éric Rohmer, cineasta francês dos tempos da nouvelle vague e que seguiu fazendo belos filmes até sua morte, em 2010. Talulah, a personagem, gosta de cinema, e viu com Mathias, em 1984, o filme As noites de lua cheia (1984), um dos clássicos das “comédias e provérbios” de Rohmer. A cena mostrada pelo filme de Hers é uma em que vemos os jovens Fabrice Luchini e Pascale Ogier numa discussão sentimental. Quatro anos depois, num registro de 1988, o filme de Hers mostra uma conversa de Mathias e Talulah em que lembram esta sessão do filme de Rohmer, e Mathias aduz que leu num jornal que a atriz do filme (ele não chega a citar o nome de Pascale Ogier) morreu pouco depois de ter atuado em Noites de lua cheia (de fato: Pascale morreu subitamente em 1984, aos 25 anos).

Cruzando uma década, Noites de paris é um pequeno encanto do cinema francês.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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