Literatura e Viagem: Franca em Revisao
Em Dicionario da Memoria Afetiva, Minha Franca Juremir carrega um pais em suas viagens
O formato em dicionário serve a dar unidade àquilo que a memória dispersa. Dicionário da memória afetiva, minha França (2024), o livro que Juremir Machado da Silva escreveu após conversas com o pensador Gilles Lipovetsky, um de seus muitos amigos franceses, é uma obra que revê, com o estilo de escrever do autor em que se misturam desde sempre o amor do cotidiano e as criativas tensões poéticas de sua escrita, quase todo o seu passado de relações com a França, seus tempos de correspondente internacional em Paris, estudos em universidades, encontros com personalidades internacionais diversas como o italiano Umberto Eco e o francês Edgar Morin, Alain Touraine num supermercado parisiense, Eco numa estação de metrô na capital francesa, idas a museus, livrarias, ruas da moda ou históricas, praças, jardins, o Saint-Germain-des-Prés existencialista, cinemas, estádios de futebol, tudo o que move um cérebro múltiplo como o de Juremir.
Segundo Lipovestky, no prefácio, “é um dicionário apaixonado pela França”. Segundo Philippe Joron, outro ilustre amigo francês, no posfácio, se adverte que “tudo sendo potencialmente realizável”. Realizado com um certo espírito francês, em sua potência máxima, mas fortemente enraizado numa original visão de mundo vinda de sua Palomas natal, Dicionário da memória afetiva, minha França faz como ninguém esta aliança entre literatura e viagem, mostra com seu verbo tão generoso quanto transbordante que a literatura viaja. A palavra, no texto de Juremir, tem essa força duma viagem. Da juventude à maturidade, ainda que em mutações naturais do tempo, não perdeu esta energia viajante, de deslumbramento.
“Nas grades do Jardim de Luxemburgo acontecem exposições de fotografia. O mundo fica estampado em cores e imagens sedutoras. No verão, o Jardim de Luxemburgo tem algo de cidade e campanha ao mesmo tempo. No inverno, acolhe os solitários e permite sonhar com o retorno dos belos dias. No outono, com um tapete de folhas douradas no chão, exibe talvez as suas melhores cores. Na primavera , com suas flores perfeitas, exalta a beleza em todo o seu esplendor. Às vezes sonho que o Jardim de Luxemburgo fica no fundo do pátio da minha casa. Rio.”
Jardim de Luxemburgo e a magia de Paris. Lembra Juremir que foi ali, neste jardim histórico e famoso, que Marius se apaixonou por Cosette no romance Os miseráveis (1862), de Victor Hugo. Cabe-me evocar que foi também ali que outro escritor francês, André Gide, situou os primeiros movimentos de Os moedeiros falsos (1925), fazendo a personagem de Lucien imaginar uma história não de uma personagem mas de um lugar, contar o que acontece ali da manhã à noite, as babás, as pessoas sombrias, os trabalhadores antes da abertura dos cenários, os colegiais, as operárias, os pobres, no fim da tarde amantes que se beijam, uma impressão de fim de tudo sem falar nisto.
Em Dicionário da memória afetiva, minha França Juremir carrega um país em suas viagens. O leitor pode nunca ter ido à França, nem ter esta perspectiva. Mas certamente já leu a França, por seus autores ou em notas de viagens de outros. Nesta viagem tanto factual quanto literária que é este livro de Juremir a satisfação do bom degustador de palavras (que viajam) é sentar-se à janela da literatura e desfrutar.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br