O Refinamento Superficial e a Arte-Encanto de Chabrol

Claude Chabrol adota um certo refinamento frances de filmar

12/03/2021 19:58 Por Eron Duarte Fagundes
O Refinamento Superficial e a Arte-Encanto de Chabrol

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Claude Chabrol adota um certo refinamento francês de filmar, mas conduz junto algumas notações estéticas de delícias superficiais, em Dias tranquilos em Clichy (Jours tranquilles à Clichy; 1990), sua versão do romance autobiográfico homônimo do norte-americano Henry Miller. O universo erótico de Chabrol está longe de carregar as densidades transgressoras de Miller; a encenação libertina e às vezes perversamente grotesca empreendida por Chabrol em torno da França dos anos 30 onde Miller viveu as aventuras amorosas de seus jovens anos, se aproxima um pouco das farsas do italiano Federico Fellini (Eva Grimaldi, uma intérprete italiana de características fellinianas, é uma das carnes vivas da fauna feminina que desfila para a câmara ávida de Chabrol); no entanto, Chabrol substitui o impressionismo pictórico ao barroquismo diversionista que poderia ligá-lo a Fellini ou ainda ao barroquismo de rigor antropológico e histórico que possa ser uma herança das inovações cinematográficas de Luchino Visconti; mesmo bebendo por aí, Chabrol passa a outras fontes, mais francesas, mais desabusadas e, o adjetivo de novo, superficial, docemente superficial.

As referências proustianas (Albertine é evocada numa pose da ninfeta Colette, o pintor de ficção Elstir é lembrado ao chegarem ao mar) e as andanças por alcovas e ruas suspeitas de Paris e adjacências aparecem, na câmara de Chabrol, com o jeito duma visão pequeno-burguesa do mundo. É como se o escritor Marcel Proust assumisse a decadência de sua prosa e de seu mundo, coisa a que seu grandioso texto insta em resistir. Chabrol põe, com seu cinema, Miller e Proust, dois nomes incensados da literatura internacional, ao rés-do-chão; os belos corpos nus das garotas divertem, erotizam, humanizam a precária sofisticação cultural.

Pecaminoso e inocentemente irreverente, o filme de Chabrol põe na cena uma pré-adolescente de nome Colette entre as criaturas femininas com que Joe (o alter ego de Miller) e seu amigo pintor e fotógrafo terçam sexo. Não é, é claro, a escritora francesa Colette, que nos anos 30 em que se passa a história do filme seria bem mais que uma adolescente descobrindo os homens, o mundo, o sexo, mas o nome Colette não é acaso, está aí muito para evocar esta autora célebre por textos de irreverências eróticas, irreverências que tinham seu quê de ingenuidade adolescente, sem dúvida. A citação do filme de Chabrol à escritora Colette é, assim, enviesada, indireta, e traz seu charme mesmo neste lado oculto de metaforizar as situações dramáticas que o espectador vê. (Colette, a escritora, foi um objeto dum filme de 2018 de Wash Westmorelanol).

Jean Rabier, o fotógrafo, fez um trabalho mais pictórico que aquelas imagens mais gasosas e quase caseiras que elaborara para outro filme de Chabrol, O grito da coruja (1988), inspirado na escritora policial Patricia Highsmith. Entre todos os seus atributos, este Chabrol, um pouco esquecido em sua vasta filmografia, mereceria uma redescoberta pelo público.

P.S.: Pela mesma época deste filme de Chabrol, que não me consta tenha sido lançado nos cinemas brasileiros (sempre lacunares numa filmografia do cinema europeu, ainda que se trate dum diretor de prestígio como Chabrol), um outro drama cinematográfico que adotava por centro a figura do escritor Henry Miller, Henry e June, delírios eróticos (1990), do americano Philip Kaufman, andou pelos cinemas: o filme de Kaufman era um exercício inventivo de linguagem cinematográfica em cima das aventuras amorosas de Henry. Seria uma curiosidade crítica contrapontear os dois filmes vendo-os simultaneamente.

(Eron Duarte Fagundes @eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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