Dotado de um Refinamento de Filmar
O sueco Tomas Alfredson tem um estilo de filmar bastante refinado, onde se depuram influências do cineasta inglês Alfred Hitchcock e de leituras psicanalíticas do pensador austríaco Sigmund Freud
O sueco Tomas Alfredson tem um estilo de filmar bastante refinado, onde se depuram influências do cineasta inglês Alfred Hitchcock e de leituras psicanalíticas do pensador austríaco Sigmund Freud. Estas sombras estético-filosóficas topam seus pontos ambíguos e atraentes em Boneco de neve (The snowman; 2017), uma luxuosa produção internacional rodada em inglês para o produtor Martin Scorsese e com um elenco curioso e variadíssimo em que aparecem rostos viscontianos como Michael Fassbender no papel central, uma bonita e sensual Rebecca Ferguson, uma sempre torturada Charlotte Gainsbourg, um semblante irônico J.K. Simmons (cuja semelhança com nosso falecido Raul Cortez às vezes nos assombra) e mais Val Kilmer.
O cenário é uma Noruega cheia de neve; estes aspectos gelados e inóspitos, que semelham uma eterna estação hibernal, são acompanhados por uma câmara sempre tensa e ameaçadora, em movimentos, cortes, montagem e faixa sonora. A cena inicial dá o tom: um garotinho vê sua mãe suicidar-se, na neve, ela passivamente deixa o carro em que está afundar-se na geleira como se estivesse num pântano. Este garotinho aparecerá na história anos depois, será uma personagem fundamental e o episódio de infância determinará psicanaliticamente suas ações. A elegância formal de Alfredson sublinha os clichês de suas anotações científicas; seu horror cinematográfico tenta uma lógica que seguidamente se dispersa, e é esta dispersão lógica que fez com que alguns analistas descartassem esta sua investida na ficção do autor norueguês Jo Nesbø (Snømsanssen; 2007).
Alfredson fez um dos mais belos filmes de horror da história: Deixa ela entrar (2008). Sua primeira aproximação a um espetáculo mais digestivamente comercial deu-se com uma visita ao universo do romancista John Le Carré, que foi produtor do filme: O espião que sabia demais (2012). Fora o primeiro filme citado, o cineasta fica numa posição intermediária no mundo do cinema: belos filmes sem agudeza dramática ou psicológica. No caso de Boneco de neve suas concessões às facilidades do espetáculo cinematográfico colidem com um acúmulo de confusões narrativas geradas pela tentativa de fazer, em duas horas, boa parte do relato dum livro; assim, as coisas se passam ligeiramente e às vezes escapam à percepção do espectador, que logra ligá-las quase que só sensorialmente, que é onde a forma de filmar de Alfredson se dá melhor.
Norueguês, sueco, um pouco americano, um pouco inglês, Boneco de neve adota um hibridismo estético em sua ostentação internacional. Como cinema, chama também a atenção para um escritor nórdico pouco referido por aqui e que agora começa aparecer avidamente nas livrarias. É a interligação comercial entre literatura e cinema, ou a literatura como a barba do cinema.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br