A Simplicidade de Narrar em Simenon
A historia contada em Maigret e o ladrao pregui?oso se da um pouco como um sonho do protagonista que investiga um crime
O belga Georges Simenon foi um ficcionista prolífico. E sempre manteve em todos os seus escritos uma estatura elevada da arte de escrever. Tinha no sangue a genética de narrar: as frases lhe fluíam e eram habitualmente orações simples, em construção e sintaxe, como se estivesse conversando na rua, mas sem os plebeísmos constrangedores de algumas ruas. Era uma rua de linguagem muito particular de Simenon.
Maigret e o ladrão preguiçoso (Maigret et le voleur paresseux; 1961) é outro de seus belos textos em que os fatos promanam diretamente do modo de escrever. Escreve como quem brinca e depois pensa. Um crime no famoso Bois de Boulogne, o cenário de vagabundos e meretrizes onde também se passa um filme do francês Robert Bresson, vai surpreender e acordar o inspetor Maigret, que dorme ao lado da esposa. Confunde o barulho do telefone com o barulho dum despertador na infância. “A coisa remontava a um tempo distante, à infância, quando ele era menino de coro e ajudava na missa das seis da manhã.” De questionário para questionário, entrevistando diversas personagens com o olho percuciente dum inspetor de polícia, Maigret tenta chegar ao criminoso e às motivações do crime. Sem as sofisticações do francês Marcel Proust, Simenon estabelece, com extrema simplicidade e um despojamento soberbo, certas associações mentais elaboradíssimas, embora elas se ocultem detrás de orações cotidianas. “Quanto dinheiro havia na...? / Maigret dormia profundamente./ É o que nunca se saberá.” A história contada em Maigret e o ladrão preguiçoso se dá um pouco como um sonho do protagonista que investiga um crime. Maigret é uma criatura conservadora, da classe média francesa, mas rendeu à pena deslizante de Simenon a revolução invisível da narrativa policial. Basta “um cadáver no Bois de Boulogne” para deflagrar tudo, a curiosidade e o mais, ainda que os jornais acenem para o assassinato de Honoré Cuendet, o “ladrão preguiçoso”, como possivelmente “um caso de acertos de contas.”
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br