Os ltimos Gestos do Amor
A histria contada em Amor dolorosamente necessria
Os últimos gestos do amor nem sempre são pacíficos ou simplesmente melancólicos. Às vezes são profundamente duros de viver. É o que mostra o cineasta austríaco Michael Haneke em sua obra-prima Amor (Amour; 2012), rodada na França para o brilho e a grandeza de duas peças iconográficas da interpretação cinematográfica internacional, os franceses Jean-Louis Trintignant (para sempre lembrado como o juiz de ironia política de Z, 1969, do greco-francês Constantin Costa-Gavras) e Emmanuelle Riva (o rosto-memória de Hiroshima, meu amor, 1959, o filme-marco do francês Alain Resnais).
A história contada em Amor é dolorosamente necessária. Quando o filme começa, os protagonistas até que estão bem, apesar de velhos. A sequência inicial se dá num concerto no Teatro do Champs-Élysées; o plano geral abarca toda a plateia, mas, engolfados na multidão, o lento e persistente plano não deixa de dar um discreto realce ao homem e à mulher velhos que viverão a história que se irá contar. Logo os problemas assomam: a doença dela recrudesce, física e mentalmente, e as dificuldades de ação dele para driblar tudo se caracterizam. No fim do filme, como um fonoaudiólogo amador e amoroso, o homem está reensinando à mulher a cantar uma das mais populares canções da França, daquelas que lá se aprende na infância, “Sobre a ponte de Avignon”.
(O refrão famoso da canção da ponte de Avignon captado pela lente-viajante deste comentarista no próprio local,
na base da ponte famigerada, situada na pequena cidade de feição medieval no sul da França).
Aparentemente o homem, enlouquecido pelas dificuldades de resolver as dores da mulher com seu amor, teria matado a mulher asfixiando-a com o travesseiro. No fundo, pela ambiguidade entre o real e o sonhado na filmagem de cotidiano de Haneke, não se sabe se isto de fato aconteceu. No início do filme arrombam a porta do apartamento do casal e dão com a velha morta. Há uma cena estranha lá pelas tantas em que o velho se põe a caminhar pelo corredor e seus pés vão ter a uma poça d’água no interior do prédio e uma mão lhe agarra de dentro da parede o pescoço; o que seria uma realidade ameaçadora é revelado como um sonho: ele desperta sobressaltado na cama ao lado da velha esposa. Então, o homicídio é fato ou pesadelo? Na última imagem estranhamente a filha do casal (magníficas aparições de Isabelle Huppert) entra no apartamento e senta-se por ali, sem mais, desenvolvendo uma ação inóspita para a câmara.
Os últimos gestos de amor que um homem tributa a uma mulher podem ser quase impossíveis de viver - isto está notavelmente claro por trás das sombras de Amor.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br