Um Cineasta Americano em Londres

A paixão de John Landis por filmes de monstros é bem palpável

26/06/2018 23:54 Por Eron Duarte Fagundes
Um Cineasta Americano em Londres

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John Landis não chega a ter o mesmo prestígio de outros diretores-autores da indústria americana de cinema, como John Carpenter e Brian de Palma. Mas ele fez pelo menos um filme que supera tudo o que estes dois outros cineastas fizeram ao longo dos anos: Um lobisomem americano em Londres (An american werewolf in London; 1981). O trabalho de Landis é um dos poucos que permanece tão impressionante quanto na época de seu lançamento. Hoje já se pode amar abertamente o filme de Landis. Nos anos 80 havia uma esquisitice no ar: como declarar a grandeza de um filme que abdicava de qualquer compromisso que não o do divertimento cinematográfico? Ouvia-se que faltava seriedade ao projeta de Landis e dizia-se em baixa voz que cinematograficamente se tratava duma obra-prima; hoje esta voz se alteou, ocupa o primeiro plano sonoro.

Landis, o diretor, é o verdadeiro americano em Londres: ele é o lobisomem americano que vai devorar os britânicos (a cultura britânica engolida por um americano?). Landis se põe na pele do ator David Naughton para viver a personagem de David Kessler, o “americano tranquilo” que chega com seu amigo Jack Goodman (interpretado por Griffin Dunne, que viveria outra excentricidade em Depois de horas, 1985, do americano Martin Scorsese) a Londres e na estrada é atacado por um lobisomem, ocorrendo que seu amigo morre e ele David, atendido num hospital, vem a transformar-se no próprio lobisomem que aterrorizará Londres ao mesmo tempo que se envolve sentimentalmente com a enfermeira que o atendeu (Alex Price, interpretação delicada de Jenny Agutter).

A paixão de Landis por filmes de monstros é bem palpável. A sequência final pode remontar à bela e a fera e ao King Kong, com seu enviesado e melancólico sentimentalismo, mas salvo pela ironia pessoal da encenação de Landis. Na taberna aonde aportam os forasteiros americanos que serão vítimas do lobisomem surge na parede um pentagrama com velas que, lembra uma personagem, simbolizava o lobisomem no filme clássico The wolf man (1941), de George Waggner. À maneira do inglês Alfred Hitchcock, cujo humor para o horror Landis às vezes emula, o diretor tem uma aparição rápida no filme, na sequência das colisões de carros, no Piccadilly Circus, ele aparece atravessando uma vidraça. Mas, a despeito de todo este interesse reverente de Landis por coisas comuns do cinema, Um lobisomem americano em Londres é um ente original do cinema como nenhum outro, antes e depois dele; é um daqueles casos em que o projeto inicial de um cineasta talvez fosse pagar tributo ou seguir a onda de uma série de filmes de horror dos anos 70 e 80, mas os anos confirmam que a largas passadas este projeto inicial foi superado e transcendido.

O filme é recheado de pedaços antológicos. Há a notável sequência da perseguição do lobisomem a um indivíduo no metrô londrino. Há a cena em que, depois da noite de assassinatos como lobisomem, David acorda nu, como homem, no zoológico, entre lobos. Há os momentos dentro do cinema aonde David vai ver um filme pornô e é obrigado a ouvir os sarcasmos de seu horrendo amigo morto-vivo Jack. E há sobretudo a magnífica encenação da transformação de David em lobisomem, ao som de “Blue moon” cantada por Sam Cooke. E aí chegamos a outro elemento antológico do filme: sua faixa musical, tratada com extremo carinho por Landis e seu diretor musical, Elmer Bernstein. A canção “Blue moon” tornou-se um dos ícones musicais da década de 80. Esta canção aparece em versões variadas em Um lobisomem americano em Londres. Na estonteante apresentação dos créditos iniciais “Blue moon” surge na versão de Bobby Vinton. E a mesma canção, com “The Marcels”, vai fechar o filme de Landis. Em outra peça de antologia, a primeira vez em que David e sua amada enfermeira transam, com os planos se insinuando e se superpondo e se fundindo uns nos outros nos corpos dos atores, aparece outro título musical de relevo, “Moondance”, de Van Morrison. E há ainda, num instante de ansiedade de David, a composição “Bad Moon Rising”.

A extrema felicidade deste clássico de Landis o marcou tanto que, em seu episódio de “Mestres do horror”, chamado “Deer man”, dizem que ele faz uma autorreferência ao por na boca da personagem central uma alusão a “uma série de ataques de um lobo estranho ocorrido em Londres em 1981”.

Ou seja, o sonho europeu do americano Landis foi muito bem sucedido, ainda que acompanhado dos tenebrosos pesadelos de seu protagonista David. Evitando os pântanos e ficando na estrada, Landis roda um trabalho de invejável feitura cinematográfica. Não poupando a lua e o sangue, Landis erige estes elementos no plano do não-clichê. Sem medo de assumir seus compromissos comerciais, Landis articula três grandes planos abertos no miolo do filme onde o espectador pode dar com outdoors gigantescos e coloridos das marcas Coca-cola, Fujifilmes e Sanyo. E isto é feito com tanta categoria que não deslustra a extrema criatividade fílmica de Um lobisomem americano em Londres.

 

P.S.: O recente filme brasileiro As boas maneiras (2017), de Juliana Rojas e Marco Dutra, presta clara e fascinante homenagem ao clássico de Landis.

 

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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