Tudo o Que Bom Est no Passado: O Reacionarismo Sedutor

O norte-americano Peter Bogdanovich permanece, aos 76 anos, um cineasta da nostalgia. o que se v pela estrutura formal de Um Amor a Cada Esquina

09/12/2016 22:55 Por Eron Duarte Fagundes
Tudo o Que É Bom Está no Passado: O Reacionarismo Sedutor

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O norte-americano Peter Bogdanovich permanece, aos 76 anos, um cineasta da nostalgia. É o que se vê pela estrutura formal de Um amor a cada esquina (She’s funny that way; 2013). No coração dos anos 70 circulou uma frase sua segundo a qual “todos os bons filmes já foram feitos”. Num de seus filmes iniciais, A última sessão de cinema (1971), este ato de olhar para o passado do cinema se articulava de maneira exemplar: era uma reverência criativa. Passados tantos anos, o anacronismo de filmar do realizador se acentua, ainda mais num mundo que torna quase tudo o que existia ontem pré-histórico, mas incrivelmente a sedução anacrônica que vemos em cada cena de seu novo filme mantém vivacidade e atualidade. É um velho filme para os tempos atuais, um contraveneno para nossos modismos: o humor mais ou menos pudico da comédia americana dos anos 70, ainda  que trate de algumas sacanagens, ressurge para nos conquistar. Um amor a cada esquina é um belo filme.

Bogdanovich tem em suas mãos o senso do cinema. Sabe impor e expor o ritmo cinematográfico. E como o faz? Sua encenação de um roteiro é extraordinariamente marcada, assim como a maneira de que ele se vale de cada ator em suas características e como ele vai montando e fundindo todos os elementos da narrativa cinematográfica numa harmonia tonal a despeito de todas as desarmonias (de personagens e caracteres) que propõe em sua trama.

É uma grande confusão de situações o que vemos espalhada em Um amor a cada esquina. E isto exige uma notável habilidade do diretor para que a transparência e a veracidade cheguem ao espectador. Primeiramente, Bogdanovich faz com que a protagonista, uma ex-prostituta que vira atriz, conte a história num depoimento para uma repórter. Organizadas a duras penas pelas evocações da personagem, as coisas narrativas aparecem: uma garota de programa, após um encontro com um diretor de cinema, é convencida a sair daquela vida mediante uma remuneração. Depois, acaba fazendo um teste para elenco de um filme do mesmo diretor que lhe fizera a proposta. Sabe-se que na vida de Bogdanovich houve algo parecido: uma estrelinha da Playboy foi transformada por ele em atriz, mas o fim foi trágico, pois o marido da mulher a assassinou quando descobriu o caso dela com o homem de cinema.

No filme impera mais o divertimento que os rasgos trágicos. Bogdanovich debocha dos rompantes shakeapeareanos de suas personagens. O caso amoroso do diretor de cinema é descoberto pela esposa. De quebra, ela descobre outros desvios extramatrimoniais do marido. E também se deixa levar pela corte que lhe faz um ator do filme. Ciúme com vingança. Numa determinada cena, num restaurante, a série de conflitos é montada em várias mesas, revelando a habilidade de cruzar situações numa narrativa por parte de Bogdanovich.

Dentro de suas circunstâncias de reverenciar criativamente o cinema do passado, Bogdanovich tem dois rasgos extraordinários. Ao propor como frase de sedução do diretor de cinema para suas mulheres a invertida oração “esquilo às nozes”, ele a foi buscar em Cluny Brown (1946), do alemão Ernest Lubitsch. Para compor a estrutura interpretativa da personagem de Jennifer Aniston, uma psicanalista, ele deu à sua atriz uma entonação próxima da agastada frieza de Kim Novak em Um corpo que cai (1958), do inglês Alfred Hitchcock. Aliás, a direção de atores em Um amor a cada esquina é a própria sedução baixada na imagem: Imogen Poots como a protagonista e Owen Wilson como o realizador de filmes expõem facetas de interpretação que talvez em nenhum outro filme eles exibam.

No início de seu livro Afinal, quem faz os filmes (1997) Bogdanovich se referiu a Elia Kazan como “um cineasta meio fora de moda”. Bogdanovich hoje é isto: um fora de moda. Mas é bom reencontrar esta moda passada em seu talento.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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