Lute Como uma Garota

T-Rex, documentário dirigido por Zackary Canepari e Drea Cooper, acompanha a preparação de Claressa Shields para as Olímpiadas de Londres, em 2012

15/02/2018 08:46 Por Bianca Zasso
Lute Como uma Garota

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Não é fácil ser mulher. Pelo menos mulher de verdade e não aquela imagem que aparece nas campanhas de dia das mães ou nas propagandas de sabão em pó. Ser mulher envolve andar na rua com medo sejam sete da manhã ou duas da tarde, ver a mídia vender a ideia de que a maternidade te fará mais completa e que não adianta nada ganhar dinheiro com o que se ama se você não tiver um namorado ou marido. E tudo torna-se ainda mais complicado quando se opta por um trabalho associado ao mundo masculino. A americana Claressa Shields, apelidada de T-Rex, escolheu o boxe como paixão no início da adolescência e, aos 17 anos, participou de sua primeira olimpíada e também da primeira porta fechada de sua carreira. Ou melhor, uma porta entreaberta.

T-Rex, documentário dirigido por Zackary Canepari e Drea Cooper, acompanha a preparação de Claressa para as Olímpiadas de Londres, em 2012. Fora uma dose de poesia na abertura, destacando a força dos movimentos da atleta por meio do uso da câmera lenta, o filme não inova na linguagem. O uso de imagens de arquivo e de vídeos caseiros feitos pela própria protagonista durante seus treinos traz uma atmosfera de reality show para T-Rex. Não que isso atrapalhe, mas assim como ocorre em programas com este formato, a edição acaba por deixar de fora o que realmente importa para o público e para a vida de Claressa. Aos 17 anos e vinda de uma família problemática, que parece mais interessada no dinheiro da adolescente do que em sua realização pessoal, T-Rex parece ter um apelido de monstro para encobrir seus inúmeros dilemas.

A relação com o treinador, que assumiu o papel de pai da atleta, é claramente abusiva. Ele não só proíbe Claressa de namorar como deixa claro que os patrocínios não acontecem por sua pupila ser uma mulher. A garota não parece entender muito bem o machismo presente nos conselhos de seu treinador e talvez por isso tenha demorado tanto para se afastar de sua orientação. O momento que devia ser o auge de T-Rex, onde a garota torna-se a primeira medalhista olímpica de boxe dos Estados Unidos, é colocado no centro do filme para tentar amenizar os acontecimentos posteriores. Com a medalha no peito e otimista com a possibilidade de tornar-se profissional, Claressa percebe que quem devia apoiá-la está esperando sentado que algum patrocinador caia do céu. Sem orientação, ela questiona o valor de seu prêmio, já que o tão desejado lucro que ela deveria dar para sua família e seu treinador não aconteceu imediatamente após ela vencer uma luta histórica.

Em momentos como os que vivemos agora, onde teorias feministas são redescobertas e a mídia se vale de suas camadas mais superficiais para atrair público sem nenhuma real preocupação com a mudança de comportamentos, T-Rex soa como um filme incompleto, onde a preocupação maior de seus realizadores era mostrar a realidade de Claressa sem problematizar suas escolhas. A ideia que o material de divulgação do filme pode passar, a de um documentário sobre uma garota que não tem medo de lutar, se perde logo nas primeiras cenas, onde percebe-se uma preocupação, de quem treina e de quem filma, apenas com o resultado final. Claressa está abandonada dentro do seu esporte e o final de T-Rex vende uma falsa esperança de recomeço. Se o objetivo era não arrumar encrenca com o comitê olímpico ou mesmo com marcas que patrocinam atletas, estamos diante de um sucesso. O triste é que ele está atrelado a uma menina com medalha no peito e sem objetivos no horizonte.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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