Belezas e Limitacoes no Cinema Americano

O americano Alan J. Pakula constroi uma narrativa sedutoramente irregular em A escolha de Sofia

06/01/2021 14:08 Por Eron Duarte Fagundes
Belezas e Limitacoes no Cinema Americano

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O americano Alan J. Pakula constrói uma narrativa sedutoramente irregular em A escolha de Sofia (Sophie’s choice; 1982). A maior parte do roteiro, extraído dum romance de 1979 escrito por William Styron (no dizer da crítica americana Pauline Kael, um “romance gótico”), vai centrar-se no instável e perigoso relacionamento a três entre um talentoso e labioso esquizofrênico, Nathan, sua amante polonesa de obscuro passado, Sofia, e o intruso amigo deles, Stigo, um pretendido escritor que os observa e com eles convive, encantado e perplexo; é claro que Pakula não tem a sutileza e a acuidade dos europeus para extrair complexidade de relações humanas tão turvas, porém sua sensibilidade para conquistar o observador, com algumas anotações culturais e psicológicas, é perceptível e digna e conta com a interpretação sinuosamente bela de Meryl Streep naquela quadra que talvez seja o cume de sua graça como atriz, os anos 80, ainda que, até hoje, ela permaneça como uma intérprete de relevo.

Se a parte central da história se passa na segunda metade dos anos 40, quando Sofia, Nathan e Stigo põem na arena suas formas diferentes de ser (a estrangeira cheia de dedos, o sonhador maluco e o centrado donzelo e intelectual), os problemas da condução narrativa de Pakula assomam quando o roteiro se vale de recuos no tempo, para explicar o comportamento de sua personagem-título; há uma longa evocação —que nasce do depoimento de Sofia a Stigo, e o filme o transforma em imagens, uma narrativa à parte— da vida da mulher nos campos de concentração nazista, para onde teria sido mandada por um equívoco, confundida com judeus, quando ela, na verdade, seria filha dum escritor antissemita. O recuo no tempo é longo e o essencial da história, os três amantes perplexos, se esvai bastante nesta retrospectiva inserida. Não descaracteriza inteiramente a realização, que é bonita e sensível; mas amaina muito de sua densidade dramática —mesmo que seu poder junto ao público habitual possa manter-se à força de sua matéria e aos jogos dos atores. Falando neles, é curioso observar que Meryl e Kevin Kline foram, nos anos seguintes, constelações hollywoodianas, enquanto Peter McNicol, vivendo o bom amigo no filme com uma precisão de marcações notável, acabou numa espécie de limbo na indústria.

A referência literária é o poeta Walt Whitman, que era do Brooklyn, como Stigo, o aspirante à escrita. Mas a outra referência essencial parece ser a poetisa Emily Dickinson: numa aula de inglês, a polonesa vivida por Meryl não entende o sobrenome da autora citada pelo professor e pergunta a uma colega, que também ouviu mal em inglês e resmunga: Emily Dickens. Este lapso auditivo de estrangeiro começando a ouvir em inglês vai estorvar a procura de Sofia numa biblioteca: o atendente lhe diz que Dickens é um escritor inglês e não um poeta americano. Vai tardar um pouco até que Sofia depare os livros de Emily.

O título. Sempre se diz que a escolha de Sofia é aquela que se passa no espaço secundário do filme, o campo de concentração nazista, onde um comandante da Gestapo lhe diz que ela tem de escolher entre dois filhos o que vai sobreviver. Também é. Mas, vendo o filme, a escolha de Sofia central é outra: entre o aburguesado bom-moço Stigo e o destrutivo Nathan, Sofia é inapelavelmente empurrada para o abismo. Um abismo que, dentro dum cinema americano médio como este de Pakula, sempre tem formas estéticas mais suaves e superficiais.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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