Bob Dylan e os Paradoxos Americanos

Bob Dylan, que não é propriamente um escritor de função, escreveu um livro autobiográfico maravilhoso: Crônicas Volume Um (2004)

02/12/2016 22:21 Por Eron Duarte Fagundes
Bob Dylan e os Paradoxos Americanos

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O norte-americano Bob Dylan é um dos grandes nomes da música no século XX: a junção voz-canção-momento-histórico topou em Dylan o símbolo perfeito. Assim, ultrapassando as fronteiras musicais, Dylan tornou-se um evento cultural de seu tempo. Agraciado com um controvertido Prêmio Nobel de Literatura este ano, Dylan ganhou um reforço midiático de que não precisava: artista soberbo dos sons musicais, Dylan encarna também o sucesso americano em grau máximo, ganhar muito dinheiro com sua arte maior. “Americanos não pregam pregos em estopa”, advertiu certa vez por estas bandas um crítico de cinema. E numa das entrevistas para a revista Rolling Stone, Dylan declarou: “Infelizmente, eu imagino, todo artista tem montes de parasitas em volta.” É o paradoxo da cultura americana, sempre mais pragmática e menos idealista que a europeia em geral: o capitalismo é inevitável, mesmo na arte, e traz junto os parasitas, os burocratas entre o desnecessário e o necessário.

Dylan, que não é propriamente um escritor de função, escreveu um livro autobiográfico maravilhoso: Crônicas volume um (2004), onde relata desde sua chegada a Nova York num inverno do começo dos anos 60 até os princípios de sua grande popularidade. Se isto justificaria um Nobel literário, se sua trajetória de turbulência cultural justificaria mais, é questão de somenos. Lendo estas Crônicas, o admirador do músico Dylan depara o indivíduo cuja ascensão musical deriva muito da grande arte de outrora. Verifica-se que a música popular de Dylan nasce de algumas sofisticações. O poeta francês Arthur Rimbaud, por exemplo; Dylan confessa sua aguda impressão quando leu uma das cartas básicas de Rimbaud, “Je est un autre”. Também é característica sua referência ao pintor espanhol Pablo Picasso: “No mundo das notícias, aos 75 anos de idade, Picasso havia casado recentemente com sua modelo de 35 anos. Uau. Picasso não estava apenas perambulando pelas calçadas lotadas. A vida ainda não o deixara para trás. Picasso tinha fraturado, quebrado e escancarado o mundo da arte. Ele era revolucionário. Eu queria ser assim.”

Mais que tudo, Crônicas devassa um tempo, o tempo em que Dylan viveu sua glória de cantar, e faz o traçado denso e particular de algumas figuras que cruzaram o caminho do cantor e o ajudaram a construir este universo cultural que, mesmo sem concessões, adquiriu uma materialização industrial incontornável: algo bem do paradoxo americano de fundir as coisas e chegar, a despeito de tudo, ao resultado desejado. Em tempos de retrocessos (morais, sociais, políticos) é bem verdade que este torto Nobel literário (o próprio Dylan, no início, recuou diante dele) serve a chamar a atenção, ou reforçar esta atenção, para um gênio que queria ser e foi revolucionário (em vários sentidos). Como Rimbaud e Picasso.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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