Selvagem e Belo

Lançado em 1973, Planeta Fantástico baseia-se no livro Oms em série do escritor francês Stefan Wul

23/09/2016 23:33 Por Bianca Zasso
Selvagem e Belo

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Planeta Fantástico (La Plànete sauvage)
Ano:
1973
Direção: René Laloux
Disponível em DVD pela Obras-primas do cinema

Assistir a uma animação nos coloca em uma condição diversa da de quando vamos assistir a um filme live-motion. Isso porque somos levados a aceitar situações que, se interpretadas por atores reais em cenários reais, seriam consideradas absurdas. Ficamos mais próximos da mentalidade infantil, no melhor sentido do termo. Crianças costumam não ter a chatice comum a alguns adultos e embarcam nas aventuras propostas pelo cinema como se não houvesse amanhã. As lembranças da infância, em especial a intensidade com a qual nos envolvemos com uma história, precisa se fazer presente para que possamos aproveitar ao máximo a experiência única que é assistir Planeta Fantástico, do diretor René Laloux.

Lançado em 1973, Planeta Fantástico baseia-se no livro Oms em série do escritor francês Stefan Wul. Os Oms do título é o nome pelo qual são chamados os humanos, que na trama do romance passam a vida se escondendo em becos e fugindo dos Draags, seres de pele azul, olhos vermelhos e quase 10 metros de altura. Logo na primeira seqüência do filme, somos colocados a parte da complicada realidade dos Oms: uma mulher foge com um bebê no colo dos constantes ataques de um jovem Dragg. Depois de não resistir aos maus-tratos da gigante mão azul, a mulher acaba morrendo e seu bebê transformado em animal de estimação de Tiwa, uma garotinha Dragg. E este bebê, batizado por Tiwa de Terr, quem narra a odisséia dos Oms contra os Draggs em Planeta Fantástico. Seu crescimento se dá em paralelo com a revolta dos Oms, cansados de serem feitos de fantoches e tratados como parasitas pelas criaturas gigantes e azuis.

Só o roteiro de ficção-científica bastaria para tornar Planeta Fantástico um filme digno de ser visto. Afinal, nada como a criação de um mundo utópico para discutirmos melhor os problemas do tal mundo real. Mas Laloux decidiu transformar em arte esta discussão e o resultado foi uma das animações mais psicodélicas e belas que já estiveram presentes na tela grande. Cada quadro parece ter sido retirado de uma tela de Salvador Dalí ou outro gênio das artes visuais. Mais que dar forma a um personagem, Laloux fez poesia da batalha entre Oms e Draggs. Numa das passagens mais bonitas de Planeta Fantástico, várias bolhas habitadas por Draggs voam pelo céu, simbolizando a meditação das criaturas, um ato necessário para a sua sobrevivência. O que poderia ter sido explicado por um simples diálogo ou uma cena curta, torna-se hipnose, pois não conseguimos tirar os olhos da tela. Laloux nos seduz sem rodeios. Das cores utilizadas até a trilha sonora, tudo nos coloca em estado de transe, fazendo de uma sessão de Planeta Fantástico ser digna de ser chamada de “experiência”. Nossos sentidos se aguçam. É arte em estado puro.

Recentemente restaurado, Planeta Fantástico voltou a ser exibido em Festivais, como o tradicional Fantaspoa, em Porto Alegre, e foi lançado em uma edição ótima em DVD pela distribuidora Obras-Primas do Cinema, com quase duas horas de material extra, acentuando a ideia de que o filme não envelheceu, mas ganhou novos significados. A possibilidade de poder assisti-lo com qualidade de imagem, quantas vezes quisermos e com direito a pausas, torna Planeta Fantástico mais que um filme: são várias histórias, tudo vai depender da nossa bagagem cultural, do clima, do quanto estamos dispostos a nos envolver com a trama. Os mais temerosos podem apenas observar a trajetória de Terr em busca da paz em seu planeta, mas quem quiser mergulhar fundo, sem medo, terá muito mais do que isso para admirar.

No original, o título do filme de Laloux pode ser traduzido como “Planeta Selvagem”. Mas quem cuidou de nomeá-lo para o mercado brasileiro deve ser alguém corajoso. Fantástico é o adjetivo perfeito para este planeta, mais ainda nestes tempos sombrios, onde a arte é convidada a se retirar das escolas e tornar as mentes de nossas crianças e jovens caixinhas vazias. Fantasia pode ser a saída. Sonhar nunca foi tão necessário.

 

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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