Altos e Baixos em Machado de Assis

Cada obra pertence ao seu tempo, lembra Machado de Assis numa advertencia para uma das reedicoes de Helena

20/10/2022 21:00 Por Eron Duarte Fagundes
Altos e Baixos em Machado de Assis

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“Cada obra pertence ao seu tempo”, lembra Machado de Assis numa advertência para uma das reedições de Helena (1876). É impossível analisar a primeira parte da produção literária machadiana, que se encerrou em 1878 com a publicação de Iaiá Garcia, sem pensar naquilo em que se transformou a ficção do escritor a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). O crítico não deixa de considerar uma perspectiva tentadora: se Machado morresse por volta de 1879, quando suas crises de epilepsia se agravaram, como seria lida sua literatura nos dias de hoje? Não creio que um trabalho como Helena, por exemplo, seja inferior a qualquer dos livros de José de Alencar, autor hoje incensado em alguns compêndios escolares. Mas todo escritor é lido dentro da ótica geral da literatura, da atividade literária de seu tempo e dos rumos de toda a sua obra.

Helena é, caracteristicamente, o ponto para o qual convergem os altos e baixos do Machado de Assis da primeira fase. Excessivamente romanesco em sua visão do incesto, o que leva muitas vezes o narrador pelos caminhos do conformismo romântico e das tiradas triviais da literatura do século XIX, Helena já aponta para alguns achados tipicamente machadianos: o enviesado psicológico de alguns cruzamentos (diálogos e anotações de conduta) entre as personagens e a forma realista de sua prosa, que aqui e ali parece uma reportagem literária. Estilista consumado da língua, fica-se tentado a pensar que, morto Machado em 1878, se veria uma obra como Helena assim: tanto recurso linguístico a serviço de instintos românticos tão baixos. Diante da existência duma obra como Memórias póstumas de Brás Cubas, Helena, sem abaixar-se à lama de mediocridade de Ressurreição (1872), encolhe-se, bonita mas apequenada.

“Quem sabe por que fios tênues se prendem muitas vezes os acontecimentos humanos?” Que é que transformou o homem-escritor Machado de Assis, tendo o ano de 1879 como divisor de águas? Que é que fez do “mulato que escrevia de cócoras”,  no dizer perverso e preconceituoso de Raul Pompeia, o Shakespeare brasileiro?

Sem a energia verbal e emocional de Camilo Castelo Branco, o Machado de Assis da fase romântica conta histórias frívolas e sem sangue com uma habilidade que às vezes espanta. Helena é um admirável ponto de encontro dos contrastes machadianos de então. Como em certas passagens de Balzac, Machado usa frases bonitas e vazias (“As estrelas tinham uma cintilação viva que as fazia parecer alegres”) e às vezes se vale de parágrafos precisos e documentais tão bons quanto os de sua segunda fase (“Ninguém esperava por ele em Andaraí. Entrando na chácara —era de noite— viu Estácio que a sala que ficava no ângulo esquerdo da frente da casa, estava alumiada e tinha gente. A sala ficava ao rés-do-chão, e as janelas estavam abertas. Parou a pouca distância, e pôde distinguir o coronel-major e o Dr. Matos jogando o gamão; a mulher do advogado falava a D. Úrsula e Melchior, em um dos lados; do outro estava assentada Helena, tendo Mendonça diante de si.").

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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