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Neve e sangue formam um dos casais mais duradouros do cinema. Confira a análise de Os Oito Odiados!

19/08/2016 01:13 Por Bianca Zasso
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Os Oitos Odiados (The Hateful Eight)
Ano: 2015
Direção: Quentin Tarantino
Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

Neve e sangue formam um dos casais mais duradouros do cinema. A imensidão branca de uma montanha congelada é algo lindo de se admirar, mas o líquido viscoso, vermelho e quente torna tudo mais poderoso. É um pequeno sinal de vida num local onde quase nada brota. O jeito é empunhar a espingarda e fazer jorrar aquilo que um dia circulou nas veias de um animal. Todo esse papo é para dizer que sangue aos jatos na tela não é coisa nova. Nem neve como pano de fundo de personagens solitários. Mas um cinquentão com alma de garotinho rato de locadora parece querer reinventar essa roda mais uma vez. Quentin Tarantino anunciou o oitavo longa-metragem de sua carreira, Os Oito Odiados, como mais um western, depois da experiência irregular apresentada em Django Livre. Agora, ele queria beber na fonte dos deuses das areias do oeste. John Ford, Howard Hawks, Budd Boetticher e Sam Peckinpah, sem esquecer da dupla italiana de Sergios, Leone e Corbucci. Procurar nos grandes uma inspiração parece fácil. Porém, Tarantino segurou firme as próprias rédeas e colocou sua assinatura numa coletânea de bons momentos bem ao gosto do western.

Os Oito Odiados é longo, mas esta característica não parece ser apego do diretor por algumas cenas e sim um modo de imprimir ritmo a uma história com muitos personagens importantes que tê, cada um, o seu momento de glória. A introdução dura 80 minutos e foge daquilo que tornou o faroeste o que ele se tornou: nada de ação interminável e paisagens inebriantes. Tarantino apresenta seus personagens com o velho e bom papo. Lembram das divagações de Samuel L. Jackson e John Travolta acerca de massagens nos pés e quarteirões com queijo franceses dentro do carro em Pulp Fiction? Aqui temos o mesmo Samuel e seu timbre de voz inconfundível explicando de onde veio e para onde vai a América ao lado de Kurt Russel, na melhor performance da última década de sua carreira, o impiedoso John Ruth. E ainda tem Jennifer Jason Leigh, que se apresenta como a melhor criação feminina de Tarantino até hoje. Completa o time o atrapalhado xerife Chris Mannix, bem construído pelo ator Walton Goggins. A diligência que percorre a neve carregando essa parte da turma não tem pressa de chegar. Mas quando chega...é como se Tarantino virasse o disco e colocasse o lado B para tocar.

Uma nova atmosfera vai se formando. Saímos da claustrofobia do veículo precário para um armazém bem equipado mas não menos opressor. Uma nevasca se aproxima. A Guerra Civil Americana acabou e suas marcas causam as primeiras faíscas no local. Racistas que não aceitam a derrota (temos o veterano Bruce Dern numa ponta divertida), misteriosos habitantes que parecem esconder mais que um simples preconceito...enfim, mistérios que vão se resolver do jeito que o velho Quentin gosta. As conversas cheias de referências silenciam e o que vai se ouvir é um tiro atrás do outro. Cada bala é uma ideia. Tarantino não economiza, mas aqui ele parece ter escolhido com mais calma o destino do chumbo.

Filmado em 70mm e exibido neste formato em alguns cinemas, Os Oito Odiados seguiu a linha das outras produções do diretor e dividiu opiniões. Declarações de amor e ódio à parte, uma coisa não pode passar em branco: a fugitiva Daisy Domergue. Digo coisa porque a personagem de Leigh é tão selvagem são poucos os momentos em que não é agredida ou humilhada. Algemada ao seu “caçador” Ruth, ela participa das melhores tiradas cênicas de Os oito odiados, como o flashback com direito a narração explicativa do próprio Tarantino. Há quem ache isso um menosprezo a Inteligência do espectador. Acredito que é mais uma diversão fruto da alma adolescente (no bom sentido) do diretor. Ou apenas uma falha no roteiro bem encoberta.

Os Oito Odiados merece atenção e pode ser a porta de entrada para desvendar outros westerns. Afinal, Tarantino não tem genialidade em sua criação, mas merece ser valorizado por buscar no fundo de suas lembranças cinéfilas o que há de melhor em todos os gêneros, resultando na melhor colcha de retalho das nossas telas atuais. Os oito odiados é western. Tem tiro e vingança. E sangue quente, como o bom cinema deve ter.

 

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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