Entre Camoes e Gon?alves Dias: O Canto de Degrazia
O poeta brasileiro Jose Eduardo Degrazia parte de urnas estrangeiras para topar sua urna americana, sul-americana em A Urna Guarani


As epígrafes que abrem A urna guarani (2013), um conjunto de poemas que parecem evocar as gestas (antigas e atuais) deste sul do mundo onde foram gestados, visitam versos do inglês John Keats, do romeno Paul Celan e do brasileiro Basílio da Gama. As três citações poéticas se referem a urnas. Mas são urnas diferentes: como diferentes são os três poetas, pela poesia e pela geografia-história. O poeta brasileiro José Eduardo Degrazia parte destas urnas estrangeiras, conduzidas por seu olhar de leitor, para topar sua urna americana, sul-americana em A urna guarani. O poema como um todo, considerando-se os poemas-capítulo como partes de um épico de nossa gente, me remete ao rigor e à criatividade verbais do português Luís de Camões, de onde verdadeiramente a língua portuguesa deve naturalmente partir. A urna guarani cavouca uma particular urna de palavras onde os achados estilísticos e de composição trazem para uma cena literária de rara beleza personagens, situações e histórias do Rio Grande do Sul.
Há também algo da ancestral carga indianista dos cantos do brasileiro Gonçalves Dias. Passando os olhos por Keats, Celan e Basílio, Degrazia faz também outros cruzamentos de muita depuração poética e outro tanto de sua própria personalidade na construção dos versos.
O pampa das vogais abertas. Umas imagens quase uma aliteração de sua correspondência em verso. “Levas o tempo / na mala de garupa. / Levas a morte, / a voz, a garrucha. / O vento move / o pala, a palavra. / Percorres o tempo, / cancha, o poema / e sua concha. / Todo o pampa / é mar / e o verde / é tua praia.” A urna guarani surge da terra: das palavras. “A urna guarani / na terra encravada, / dardo no tempo / ou dado de deus / no vento.” Certo, pode haver melancolia, desde o vocábulo urna. “No cemitério / a ossada guarani.” E então assomam os jesuítas; indaga-se. “Se foi muito / ou pouco / o que fizeram, / se caiu no oco / do olvido / ou no poço / do futuro, / não sei.”
Há exaltação quase sálmica. “Hosanas nas alturas, / hosanas nas profundas, / hosanas ao mundo / sem grilhões e chicotes.” E, de repente, um enviesado herói: “O vago antepassado de alamares / e espada vejo, reflexo no tempo.” Ao cabo, o leitor pode exclamar, com a inocência dos primeiros poemas: meninos, eu li, meninos eu vi. “Onde a poesia, a Arte / no meio da barbárie?’ Responde-se: num poema de simbologia profunda como A urna guarani.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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