O Instante de Morin
Para um cerebro com as caracter?sticas do de Morin, as dificuldades de fazer seu pensamento conviver com este nosso universo cada vez mais de ?barbarie intelectual?


O título original do livro é quase o desejo de um homem que já passou dos cem anos e certamente há décadas vem cultivando esse desejo: “encore un moment”, ainda um momento, deem-me mais um pouco (de tempo) para eu expressar o que ainda falta expressar. Este “pouco de tempo” solicitado por Edgar Morin, o mais completo pensador do século XX que chega notavelmente ao primeiro quarto do século XXI, se tem multiplicado. Para bem de quem gosta de ouvir a extrema lucidez expressar-se.
Só um instante (Encore un moment; 2023), o novo ensaio de pensar de Morin, traduzido por um dos espíritos brasileiros afins, o escritor Juremir Machado da Silva, traz outra vez para o centro do campo das meditações a questão central dos polos filosóficos do francês: a complexidade das coisas neste planeta que nos coube habitar. Ao identificar em Montaigne, seu ancestral gaulês, “o pai francês do verdadeiro humanismo francês, que reconhece a humanidade plena de todo indivíduo, qualquer que seja a sua origem”, Morin aponta para de onde nasceu o coração de suas ideias. Múltiplo, Morin vai a Spinoza: “Spinoza realizou a grande revolução copernicana da filosofia europeia: a eliminação radical de um Deus criador e exterior ao mundo.” Este humanismo clássico de Morin depara em nossos dias aquilo que ele próprio chega a cognominar “barbárie intelectual” e vê: “Estamos na era damocleana das ameaças mortais, com possibilidade de destruição e de autodestruição, inclusive psíquicas, que, depois de curta trégua de 1989-1990, agravaram-se com novas formas”.
Para um cérebro com as características do de Morin, as dificuldades de fazer seu pensamento conviver com este nosso universo cada vez mais de “barbárie intelectual”, resultado de nossas ausências de humanidades, traz o selo das coisas complexas e difíceis. Uma de nossas barbáries é o modo como lidamos com umas sociedades a cada passo mais idosas. Anota o observador cósmico e concreto que é Morin: “A grande esperança é despertar e estimular essas células-tronco para prolongar a vida e permitir, se não estou dizendo uma vida juvenil, ao menos uma velhice que não seja senescência, pois se sabe que viver mais produz também idosos mantidos vivos em asilos, isolados de suas famílias.” Mas se a visão de realidade é sombria, a iluminação de raciocínio de Morin é um dado de esperança na prosa que ele vai elaborando com uma lucidez ao mesmo tempo natural e construída.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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