Neuromancer (Neuromancer; 1984), um romance de antecipação escrito pelo americano William Gibson, é na verdade uma antecipação da ficção científica pós-pós-moderna, onde os aparatos tecnológicos desempenham uma função tão fundamental quanto a sintaxe e a imaginação na cabeça do romancista; sem os recursos visuais do cinema, que permite à linguagem a inserção forte da tecnologia (a informática cinematográfica), a literatura se vale dum vocabulário muito próximo do universo dos computadores para expressar o inquietante e maravilhoso mundo do futuro. Devemos extrair dos termos “inquietante” e “maravilhoso” seus conceitos emocionais e tornar tudo muito neutro: as novidades do amanhã inquietam simplesmente, sem transtornar, e a maravilha é notadamente algo diferente, só isto.

Curiosamente Neuromancer veio a lume em 1984, ano que foi o título dum clássico literário de antecipação do inglês George Orwell publicado nos anos 40. Em relação aos anos 80, Neuromancer parece avançar para este século XXI em que a balbúrdia da tecnologia consome o humano; no entanto o romance de Gibson parece organizar, com criativas imagens, aquilo em que nosso mundo é aparente desordem, fogo em turbilhão. “Então um fogo negro conseguiu encontrar os afluentes dos nervos e houve uma dor muito além daquilo a que o nome de dor costuma ser dado.”

Como diz a imagem da primeira frase da narrativa, Neuromancer tem um pouco a cor duma tv ligada num canal em que nada se transmite. Não porque não tenha nada para transmitir. Mas porque a sociedade de hoje lhe dá tanta coisa para pôr no ar que satura as imagens e esbranquiça a tela. É desta melancolia do branco que o texto de Gibson retira seu poético melancólico.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)