Os Irmãos Parondi

Rocco e seus Irmãos tem uma ambientação rude e primitiva como aquela de A Terra Treme

12/07/2018 16:31 Por Eron Duarte Fagundes
Os Irmãos Parondi

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Rocco e seus irmãos (Rocco e suoi Fratelli; 1960) se banha nas águas do neorrealismo italiano mas está atravessado pelas grandes crises trágicas da personagem ocidental que vem desde a literatura do século XIX e se estabeleceu agudamente no cinema europeu de inquietações metafísicas dos anos 50 e 60. O realizador do filme, o italiano Luchino Visconti, começou sua filmografia com ásperos excertos do realismo documental e social italiano em obras como Obsessão (1942), A terra treme (1947) e Belíssima (1951). Com Sedução da carne (1954) e Noites brancas (1957) Visconti impôs-se uma guinada estilística onde o refinamento de filmar e um universo mais abstrato e aristocrático perpassam o mundo viscontiano. Rocco e seus irmãos tem uma ambientação rude e primitiva como aquela de A terra treme, mas vai lenta e implacavelmente adquirindo o sentido trágico da encenação cinematográfica que só um gênio do cinema saberia expor com toda esta carga de profundidade. Rocco e seus irmãos é tanto uma daquelas impagáveis crônicas sociais do realismo fílmico peninsular (a chegada da família Perondi, tendo à frente a mãezona italiana Rosaria, à cidade de Milão reconstitui os movimentos migratórios dos pobres camponeses que saem de seus campos para os centros urbanos) quanto uma aventura da tragédia fratricida dos relacionamentos humanos, perturbadores, vorazes, invasores.

O filme se divide em capítulos, como um romance. Cada capítulo traz como título o nome de um dos cinco irmãos: Vincenzo, Simone, Rocco, Ciro e Luca. Embora o capítulo busque centrar-se na figura que elegeu como título, o que na verdade ocorre é uma transição ou permuta entre as personagens onde o foco central se vai sutilmente desviando e muitas vezes retornando ou recompondo situações.

A tragédia que se abate sobre a família Perondi, para desespero da mãe Rosaria e desencanto narrativo, é a da dissolução familiar, já vista nos anos 60 com a objetiva da decadência por Visconti, assim como o fazia, à sua maneira mais grandiloqüente, o também italiano Federico Fellini em A doce vida (1960). Esta tragédia vai encenar-se basicamente a partir do surgimento duma perigosa mulher nas vidas dos irmãos Simone (o mais sombrio e perigoso) e Rocco (o puro); como diz Ciro num diálogo ao fim do filme com o menor dos irmãos, Luca, nem o pecaminoso Simone nem o bondoso Rocco poderiam estar certos num mundo que não funciona assim; desta dialética entre Simone e Rocco Visconti extrai a trágica condição narrativa. Nádia, belamente interpretada por Annie Girardot, é a fêmea nova —nem santa, nem puta— que põe em xeque os dilemas de vida do nostálgico Rocco de Alain Delon e do terrível Simone de Renato Salvatori. Luca, o garotinho, a verdadeira inocência infantil, para além das ingenuidades de Rocco, das maldades de Simone ou do cinismo dialético de Ciro, é quem vai fechar o filme com um gesto tão simbólico quanto significativo: enquanto seu irmão Ciro se dirige para o interior da firma onde trabalha, Luca se aproxima dos muros onde colaram diversos cartazes com o rosto de seu irmão, Rocco, já um boxeador famoso, e acaricia rapidamente alguns destes cartazes, depois dirigindo-se para a rua num plano geral em que a câmara de Visconti se abre e se afasta. Anos depois, o suíço Alain Tanner homenagearia esta sequência final de Rocco e seus irmãos ao encerrar Jonas que terá 25 anos no ano 2000 (1976), em que Jonas faz circunvoluções pictóricas sobre um muro onde estão desenhadas todas as principais personagens do filme de Tanner.

Fotografado por Giuseppe Rotuno e musicado por Nino Rotta, Rocco e seus irmãos traz ainda a participação pequena mas expressiva de Claudia Cardinale como a esposa de um dos irmãos, Ciro. Claudia estaria no elenco de outras obras-primas do cineasta, O leopardo (1963) e Vagas estrelas da ursa (1965). Alain Delon, que faz a personagem-título, trabalhou com outros grandes realizadores, como os italianos Michelangelo Antonioni e Valerio Zurlini e o norte-americano Joseph Losey, mas sempre se recusou a participar do estrelato de Hollywood. Visconti vai ser eternamente evocado como o diretor de cinema que sonhou com filmar os movimentos verbais da obra do escritor francês Marcel Proust e se teria frustrado por morrer sem lograr fazê-lo, embora já tivesse um elaboradíssimo roteiro pronto. O que não deixa de ser uma perda de tempo esta lamentação, pois toda a obra de Visconti captura esteticamente o século XX tanto quanto o romance-rio de Proust.

 

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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