A Estética da Paixão em Bertolucci

De certa maneira, o melodrama encenado em La luna é uma tergiversação entre duas influências contraditórias no estilo de Bertolucci

21/12/2017 08:42 Por Eron Duarte Fagundes
A Estética da Paixão em Bertolucci

tamanho da fonte | Diminuir Aumentar

 

 

Nenhum cineasta tem a capacidade de filmar as paixões humanas com a intimidade cinematográfica do italiano Bernardo Bertolucci. La luna (1979) é um apaixonante mergulho nas tumultuosas relações entre uma mãe artista, amorosa mas ausente, e um filho adolescente inquieto com o desaparecimento da figura do pai (a morte do homem que o criou e a ausência daquele que seria seu pai de verdade); como habitualmente ocorre num filme de Bertolucci, a movimentação intelectual da câmara vai expor certos espaços de cinema que só uma aguda sensibilidade fílmica traria para a tela; a câmara de Bertolucci está sempre excitada e dir-se-ia que seu erotismo é profundamente estético; uma panorâmica sinuosa busca uma cor (a fotografia de Vittorio Storaro capta com precisão a profundidade íntima de Bertolucci) e esta cor vai ter no cenário, gerando um círculo linguístico que identifica no realizador peninsular um dos mais pessoais da atualidade; a preparação de cada cena não engana ninguém: estamos diante do rigor apaixonado de Bertolucci.

De certa maneira, o melodrama encenado em La luna é uma tergiversação entre duas influências contraditórias no estilo de Bertolucci. Influências que ele harmoniza a seu jeito. Bertolucci parte da complexidade psicológica do francês Robert Bresson, e de fato certas objetividades de imagem são bressonianas. Mas o lado operístico e barroco de La luna permite dizer que esta realização é a mais viscontiana de Bertolucci: a sedução do canto da ópera é um êxtase que Bertolucci aprendeu com seu mestre Luchino Visconti.

A soprano cujo filho se droga e está entregue ao mesmo desespero vital dos protagonistas de O último tango em Paris (1972), ainda agravado por uma adolescência perturbada, é vivida pela excelente atriz norte-americana Jill Clayburgh, uma das figuras carimbadas da Hollywood de então e cujo maior sucesso de interpretação foi a separada de Uma mulher descasada (1978), o melhor filme do norte-americano Paul Mazursky; Jill, do alto de seu charme e desenvoltura em cena, contracena com o jovem Mathew Barry, inexperiente e ríspido, problema estético que a direção de ator de Bertolucci coordena com mão de mestre, segura e nuançada, extraindo de eventuais problemas alguns achados. Observando a estatura de intérprete de Jill ao longo da evolução do filme, o espectador de hoje, bombardeado pelo método de Julia Roberts ou Cameron Diaz, pode ter logo a sensação de que Hollywood já foi uma fábrica de grandes atrizes; e Jill pertence a uma geração que tinha Jane Fonda, Anne Bancroft e Shirley Mclaine; Jill faleceu aos 66 anos há sete anos, e já andava afastada de seus tempos de glória, quase como uma estrela decadente.

La luna tem um assunto assemelhado com aquele de Sonata de outono (1978), onde o sueco Ingmar Bergman expunha o tempo inteiro um dueto terrível entre mãe e filha; a diferença é que Bertolucci troca o espiritualismo seco do cineasta nórdico por uma visão de paixões à italiana. Como não poderia deixar de ser, em se tratando dum grande Bertolucci, La luna tem sua peça de antologia escandalosa: se em O último tango em Paris a manteiga no traseiro de Maria Schneider servia de introdução ao libelo antifamiliar declamado por Marlon Brando, em La luna a personagem de Jill alivia as tensões de seu problemático filho masturbando-o demorada e doloridamente. Esta sequência é apenas o pontapé inicial do dilema do incesto, tratado em outras cenas tão fortes quanto honestas.

O erotismo sinuoso dum filme como La luna poderá parecer ao gosto do espectador médio do século XXI um pouco fora de moda, mas é certamente dotado duma tensão cinematográfica de que somente um encenador como Bertolucci tem a chave.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com,br)

Linha
tamanho da fonte | Diminuir Aumentar
Linha

Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

Linha
Todas as máterias

Efetue seu login

O DVDMagazine mantém você conectado aos seus amigos e atualizado sobre tudo o que acontece com eles. Compartilhe, comente e convide seus amigos!

E-mail
Senha
Esqueceu sua senha?

Não é cadastrado?

Bem vindo ao DVDMagazine. Ao se cadastrar você pode compartilhar suas preferências, comentar ou convidar seus amigos para te "assistir". Cadastre-se já!

Nome Completo
Sexo
Data de Nascimento
E-mail
Senha
Confirme sua Senha
Aceito os Termos de Cadastro