As Estradas dos Anos 70
Messidor (Messidor; 1979) pertence ao pico do cinema do suíço Alain Tanner.


Messidor (Messidor; 1979) pertence ao pico do cinema do suíço Alain Tanner. Rodado logo depois de Jonas que terá 25 anos no ano 2000 (1976), uma espécie de suma de sua reflexão cinematográfica que era algo como uma coroa intelectual da década de 70, e antecedendo Os anos luz (1981), o filme que isolou das cidades o pensamento, Messidor cai na estrada de seu decênio. Resolve percorrer o país: o campo e os gelos. Mas está distante dos aspectos soturnos dos filmes de estrada feitos pelo alemão Wim Wenders pela mesma época. Há na forma cinematográfica de Tanner algo da claridade de filmar do francês Eric Rohmer, mas se trata de outra coisa, algo mais grave se esconde atrás da claridade de alguns planos abertos de cenários fotografados por Renato Berta e Tanner.
A câmara de Tanner vai acompanhar, com paixão documental, as andanças de duas garotas suíças, Jeanne e Marie; Jeanne é uma estudante de Genebra e Marie é uma adolescente interiorana. O paraíso suíço que se descortina aos olhares inquietos das jovens é tão tedioso quanto às vezes infernal. Há muitos planos parados, e os movimentos de câmara que surgem tendem a uma estaticidade que significa o estado de coisas da sociedade suíça vista por Tanner. Na abertura do filme, durante a apresentação dos créditos iniciais, alguns superplanos aéreos perfazem o percurso dos campos e depois das montanhas geladas; serão os caminhos ao longo da narrativa de Jeanne e Marie. Elas se afastam cada vez mais da cidade e se isolam nos campos (dormindo ao relento ou em galpões habitados por animais), como os ermitães de Os anos luz, distanciar-se do burburinho para poder pensar, ou agir mais espontaneamente que parece ser o escopo dos protagonistas de Messidor. Embora elas seguidamente topem com variações de lugares e de pessoas, é, como diz uma delas, como se os lugares e as pessoas se repetissem, uma coisa mecânica que os gestos e as caminhadas das garotas se esforçam por desmontar.
Alain Tanner, depois de um período de jovem cineclubista nos anos 50, viveu um tempo na França, onde conheceu mestres do cinema de então, o franco-suíço Jean-Luc Godard e o francês Robert Bresson. A narrativa que se inquieta vem um pouco de Godard, assim como a utilização de cenários naturais é próximo da nouvelle vague, enquanto uma certa tensão espiritual é bressoniana. Rigor apaixonado e desapaixonado: como em Bresson. Messidor é uma atualização da nouvelle vague para o fim dos anos 70. Com o refinamento único de Tanner, desde o título: messidor é um mês do calendário vigente num determinado período da Revolução Francesa. A estudante ora se apresenta como o próprio Messidor, ora vinda de um lugar chamado Messidor, para os circunstantes.
Jeanne e Marie em Messidor têm ações comuns e nunca violentas que por pequenos detalhes vão pô-las numa tênue marginalidade. Jeanne e Marie, jovens e libertárias, são confrontadas ao longo de Messidor com uma estrutura social que não se abre para os lados. Neste sentido a própria forma cinematográfica de Messidor, abrindo-se para os lados, contrapõe-se ao habitual do cinema, geralmente rígido, engessado. Messidor é um grito de liberdade bem dos anos 70, mas terrivelmente atual e forte em seus propósitos estéticos.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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