As Dolorosas Decis?es

Ozon percorre um tema espinhoso em Tout s'est bien passe; 2021), que em portugues seria algo como Tudo correu bem: a eutanasia

24/03/2022 12:23 Por Eron Duarte Fagundes
As Dolorosas Decis?es

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François Ozon percorre um tema espinhoso em Tout s’est bien passé; 2021), que em português seria algo como Tudo correu bem: a eutanásia, ou mais apropriadamente a morte com dignidade quando a vida do indivíduo se estende biologicamente sem a possibilidade de viver, restringindo-se  a sofrimento e dor. O filme começa quando Emmanuèle, a filha caçula dum idoso de classe média alta francesa, André, sofre um AVC; a câmara acompanha suas (da filha) imagens apressadas rumo do hospital; em pouco, após os planos trêfegos do choque inicial das personagens, o que se aclara é o drama de todos: André está com muitas dores físicas, entrevado em camas hospitalares, e quer dar cabo de sua vida, solicita à filha Emmanuèle que o ajude; ao longo da narrativa, o dilema se instala entre Emmanuèle e sua irmã mais velha Pascale, ambas são casadas, mas Pascale tem um casal de filhos adolescentes; em cena, o papel de Claude, a velha e catatônica mulher de André, mãe de suas filhas, e Gérard, o companheiro-amante de André, trazendo o bissexualismo do doente, ressuscitam e reconstituem  o passado agitado e vivo de André.

Ozon apresenta uma grande sensibilidade de cineasta para esta aventura humana que ele extraiu dum romance autobiográfico homônimo de Emmanuelle Bernheim. O tema do homossexualismo tivera cores mais álacres em Verão de 85 (2020), com juventude e intensidade de desejo. Tout s’est bien passé vai aos tons sombrios das reflexões sobre a morte em O tempo que resta (2005). Mas em todos os casos se sublinham as características particulares deste realizador talvez ainda insuficientemente incompreendido em todas as complexidades de seu cinema. Profundamente francês, um pouco misturando excertos de Éric Rohmer e François Truffaut, Ozon propõe agudas doses de humanismo —doloroso, sentido, certo — em seu novo trabalho.

Um dos dados de que Ozon sabe valer-se com precisa marcação de sensibilidade é a utilização dos intérpretes. O veterano André Dussollier, vivendo uma personagem cerca de dez anos mais velha que ele (Dussollier tem 76 anos e sua criatura, 85) e caracterizando com grande engenho um acamado com sequelas tortas do AVC, tem outro desempenho extraordinário, talvez o mais belo duma carreira que o levou pelos caminhos de Alain Resnais (O amor à morte, 1984, e Mélo, 1986) e Claude Sautet (Um coração no inverno, 1992). Sophie Marceau, num papel bem central de Emmanuèle, carrega com grande força a sensibilidade da narrativa atrás. Géraldine Pailhas, interpretando Pascale, é uma coadjuvante cheia de dignidade. Nas poucas aparições, a veteraníssima Charlotte Rampling (a esposa) equilibra-se com a atuação de Dussolier, o que é um desafio. E Ozon oferece ao espectador ainda a nostalgia de rever em cena a alemã Hanna Schygulla na caracterização da senhora suíça que faz a eutanásia em André; Hanna foi vista há muitos anos em Do outro lado (2007), do turco-alemão Fatih Akin, e sabe-se que sua figura de intérprete é quase irreconhecível (pensando-se nela em Effi Briest, 1974, de Rainer Werner Fassbinder) em seus filmes da velhice; mas seu nome é uma evocação necessariamente iconográfica no cinema. É a personagem de Hanna, no filme de Ozon, quem diz, por telefone, à personagem de Sophie Marceau (o espectador vê na imagem, meio ao lado, meio atrás de Anna, o cadáver de André): “Tout s ‘est bien passé”. Tudo correu bem, tudo deu certo. Mas para as irmãs Emmanuèle e Pascale (e para o observador humano do outro lado da tela) este “correu bem, deu certo” traduz os traumas duma amargura inevitável.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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