Vamos ao Mxico com Erico
Vamos ao Mxico com Erico Verssimo, seu nico livro de viagens
“Desde pequeno fui possuído pelo demônio das viagens”, confessou o escritor brasileiro Erico Verissimo em algum lugar (e esta declaração está na orelha do segundo volume de Solo de clarineta, 1976, sua autobiografia final). No entanto, que me conste, seu único livro de viagens é México (1957), uma bela experiência de linguagem e observações. No prólogo ele conta, com a graça e o engenho do romancista que ele nunca logra deixar de ser em qualquer texto que escreva, como lhe surgiu a ideia de visitar o México, nos tempos em que trabalhava e lecionava nos Estados Unidos. “Vamos ao México?” pergunta o escritor à mulher. É um pouco como se dirigisse a questão ao próprio leitor. “Atirei a perguntar ao chegar a casa naquele anoitecer de abril”, segue Erico logo após a interrogação do pretendido diálogo familiar que seria o estímulo para uma ida ao México. Engraçado que culpavam Erico de escrever numa linguagem jornalística, mas aquela sintaxe lusa, desusada em boca brasileira, “chegar a casa”, parece pouco jornalística. Mas não lhe retira a espontaneidade de sempre. Há várias outras coisas mais literárias do que jornalísticas em México. Erico escreve suas andanças com a estrutura de seus romances: técnica de narrar, jeito das frases, evoluções de sintaxe e situações; um contador de histórias num contador de linguagem. É a pequena grande paixão de adolescência por um autêntico escritor que ressurge nesta leitura depois de tantas décadas. Mafalda, a companheira do escritor, parece agir um pouco como o leitor, o jovem e agora velho: desconfiada mas seduzida.
Erico é um pouco um antropólogo amador em México. Vasculha os meandros da mágica civilização que veio a ter nas populações mexicanas de hoje. Topa no caminho com alguns intelectuais brasileiros, o ensaísta e ficcionista gaúcho Vianna Moog e o professor e dicionarista pernambucano Aurélio Buarque de Holanda. Além de sereno e agudo observador e de notável esgrimista de ideias (seus diálogos com o escritor mexicano José Vasconcelos são exemplarmente postos em páginas), Erico revela dotes de humor mais bem desenvolvidos que aqueles encontráveis em seus romances. Nisto se pode ver a herança que ele trouxe a seu filho Luis Fernando Verissimo. Aliás, Luis aparece, sem chegar a ser nominado, no prólogo de México, onde se lê:
“Tirei o casaco e larguei sobre uma poltrona todo o peso do cansaço somado ao do corpo. Aos poucos os ruídos familiares me foram envolvendo. No andar superior a filha recitava um trecho de Macbeth, preparando a lição para o dia seguinte, na escola dramática da Universidade. No térreo, o rapaz mamava no bocal do saxofone, apojando dele o grosso e morno leite dum blue. Da cozinha me chegava o ácido chiar do assado de carneiro. Cerrei os olhos.”
O rapaz mamava, Erico? O rapaz, Luis Fernando. Depois, as incursões pelo arcaico e mágico México. Antes de voltar às organizações burocráticas, cheias de uma lógica matemática, nos escritórios de Washington.
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br