A Suavidade Sinuosa de Fitzgerald

O escritor norte-americano Francis Scott Fitzgerald tem uma narrativa suave, que escorrega facilmente pelas paginas

30/08/2019 14:26 Por Eron Duarte Fagundes
A Suavidade Sinuosa de Fitzgerald

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O escritor norte-americano Francis Scott Fitzgerald tem uma narrativa suave, que escorrega facilmente pelas páginas, como convém ao espírito americano de encarar as coisas; mas esta suavidade não abdica de uma certa perversidade e as facilidades de ver não ocultam a profundidade da visão de mundo. Suave é a noite (Tender is the night; 1934) é um de seus títulos mais festejados. Merecidamente: é um retrato da geração de intelectuais e sofisticados dos anos 20 do século passado que atinge o pico literário como a encenação em palavras de um determinado tempo social e histórico.

Fitzgerald toma emprestadas as habilidades narrativas do francês Honoré de Balzac, mas adiciona, de maneira transparente e imperceptível, certas conquistas do romance moderno em matéria de tempo e espaço. Há uma linearidade de narrar que se desarticula um pouco no interior das personagens e um tanto na volta retrospectiva inserida pelo Livro II (depois de ter revirado o casal de protagonistas na revolta Riviera francesa dos anos 20, Fitzgerald recompõe como Dick, o psiquiatra, e Nicole, sua paciente adolescente, se teriam conhecido na Suíça no fim dos anos 10); e também uma frase-chavão que insta com a repetição absurda à Samuel Becket (“Importa-se se eu baixar a cortina?”) ajuda a transformar Suave é a noite num texto cujo classicismo (evidenciado em toda a sua sintaxe) é constantemente questionado.

A visão que Fitgerald tem da sociedade americana dos privilegiados (americanos em Paris, por exemplo) é a de um artista da melancolia. A decadência do amor de Dick e Nicole, com cada um rumando para os braços de um amante, é a própria decadência americana pouco antes do estouro da Bolsa em 1929; a prosperidade é falsa ou efêmera e o prazer, ilusório e temporário.

Contemporâneo dos inícios do cinema, Fitzgerald adota certos processos cinematográficos em suas orações, cheias de uma visão objetiva como era o cinematógrafo. Fitzgerald acabou tendo relações posteriores com o mundo do cinema e com gente de cinema. A troca da literatura de Fitzgerald com o cinema é eterna e gera proveito para todos os lados. Rosemary, a amante de Dick em Suave é a noite, é uma atriz obscura, mas serve aos propósitos de referencial de época do romancista. Fitzgerald age, sem suas aproximações às descrições cinematográficas, por viés oposto ao do que escritor francês daqueles anos, André Gide, que preferia deixar ao cinema o que era do cinema, partindo para outras essências literárias, como a construção interior e a atmosfera por palavras. O curioso é que Fitzgerald, lido hoje, adota tudo isto sem desmerecer os recursos que o contato com o cinema lhe deu. Talvez isto explique, em parte, o prestígio crescente de Fitzgerald (sua atualidade) e o ostracismo (seu anacronismo) a que é atirado Gide, embora um e outro se tenham debruçado sobre a civilização dos anos 20 do século passado com inigualável beleza.

Apesar de um prosaísmo insistente e de excessos de frases habituais, Suave é a noite tende a uma poesia do romance, seja por sua estrutura narrativa, seja por alguns trechos que se elevam para além do ramerrão. O sentimento que emana das páginas para o leitor é pura densidade poética. Fitzgerald escreve um pouco como alguém que viu a vida como se estivesse lendo os melhores versos do mundo.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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