O Circulo Verbal de James

Os embaixadores (The ambassadors; 1903), provavelmente a mais perfeita entre as muitas obras-primas do escritor americano Henry James

21/07/2019 13:47 Por Eron Duarte Fagundes
O Circulo Verbal de James

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Os embaixadores (The ambassadors; 1903), provavelmente a mais perfeita entre as muitas obras-primas do escritor americano Henry James, utiliza com precisão primorosa a questão dos círculos verbais, as circunferências sintáticas onde o primeiro ponto se intersecciona com o último, aquele que fecha o círculo. É quase inumana a forma como James estabelece as referências estéticas do Romance, aquele gênero que ele próprio considerava tão elástico que poderia ser prodigioso; poucos como James (talvez o francês Marcel Proust) souberam dar consistência à elasticidade romanesca, graças a uma consciência narrativa certamente impressionante. Há quem ache James muitas vezes sem vida (como seu êmulo inglês Edward Morgan Forster, que se referiu um pouco desairosamente à ficção de James), há quem o ache um mestre muito chato (como o escritor brasileiro Fernando Sabino, mais voltado para amenidades romanescas, e que foi derrotado pelas construções matemáticas do romance de James); mas, passado o susto inicial dum universo de aridez psicológica e estilística, a prosa de James vai apresentando um conjunto único e encantador, um poema (verbo) sob a forma de Romance.

O círculo de Os embaixadores começa, no primeiro parágrafo, pelo nome de seu protagonista. “Strether’s first question” (a primeira pergunta de Strether). O longo romance vai terminar igualmente com Strether: “ ‘Then there we are!’ said Strether”, o que soa vago e meditativo, algo como “estamos aí” e vamos ver no que dá. Strether, a personagem central, é o signo da nobreza de Os embaixadores. Ele se apaixona por uma viúva e, para conquistá-la, se desloca para Paris em busca do filho dela; Paris acaba seduzindo Strether, de maneira bastante diferente e mais secreta que aquela do ficcionista americano Ernest Hemingway, e Strether esquece o projeto-viúva. Os  extensos e elaborados parágrafos de James fazem a composição deste mergulho no esquecimento do projeto pela sedução do ambiente. Um dos trechos mais exemplares desta imposição estética da sedução é o segundo capítulo do Livro Segundo. O parágrafo começa, ainda e sempre, pelo vocábulo Strether, que visita, em sua segunda manhã em Paris, os banqueiros da rua Scribe, aos quais sua carta de crédito fora endereçada. O fascínio europeu se alonga pelo texto e vai culminar cruzando a rua de Seine e chegando ao Jardim de Luxemburgo. É o ápice da anestesia formal, é a aproximação às sensações por onde fugimos aos compromissos do mundo e estamos no centro de nosso vazio literário que, todavia, é incrivelmente belo e profundo. Assim se armam os paradoxos da literatura de James, um escritor durante anos visto com espanto à distância e que em anos mais ou menos recentes foi readaptado às coisas contemporâneas, graças em parte ao cinema de James  Ivory (outro americano europeizado) que visitou (“called on”) a ficcção de Henry James; um James (Ivory) é o banqueiro (“banker”) que mostra a carta de crédito (“letter of credit”) do James mais arcaico e problemático (Henry).

Segundo o ensaísta brasileiro Álvaro Lins, a obra de Proust se insere num artifício, o fim é o começo do romance. De James não se diria exatamente igual, mas que o fim apresenta ecos do começo, especialmente em seu centro, Strether, uma primeira pessoa oculta na terceira pessoa, ao contrário de Proust, que é uma terceira pessoa (impessoalidade) disfarçada (ou materializada) de primeira que volta em alguns momentos a ser de fato primeira pessoa. Em Proust e em James é bom salientar que a literatura é um artifício pensado. Seus inconscientes são instintos trabalhados; não são manifestações naturais, mas a natureza recriada nos cérebros. Em suas diferenças eles revelam o que há de grandioso na arte da palavra, a forma como ela seduz o leitor.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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