O Futuro da Humanidade Segundo Houellebecq
A Possibilidade de uma Ilha é o texto mais futurista de um autor voltado, de certa maneira, para o futurismo
A possibilidade de uma ilha (La possibilité d’une île; 2005) é o texto mais futurista de um autor voltado, de certa maneira, para o futurismo. O francês Michel Houellebecq é este autor que tenta imaginar o futuro com uma literatura que, não desprezando o rigor da escrita, avança ferozmente sobre os destroços do humano. Um mundo de prazeres podres, eis o universo de Houellebecq; o indivíduo pode sentir prazer naquilo que apodrece.
O futurismo de Houellebecq, no entanto, não tem as facilidades do gênero no cinema: a grandeza de sua literatura segura bem a barra. Embora as influências de um passado cinematográfico permeie o texto do escritor: seus conhecimentos dos movimentos cinematográficos se exibem e estes conhecimentos acabam incrustando-se no jeito de escrever de Houellebecq. O protagonista de A possibilidade de uma ilha, Daniel, é um humorista que teve passagem pelo espetáculo fílmico, assim como Houellebecq começou suas veleidades artísticas fazendo filmes amadores. A literatura, é claro, livrou a cara de Houellebecq, assim como as apresentações humorísticas ajeitaram as patifarias de Daniel.
Daniel são muitos, são gerações que se clonam umas às outras, revelando o processo de apodrecimento do humano. “Minha encarnação atual vem se degradado; não acredito que possa aguentar ainda por muito tempo. Sei que na minha próxima encarnação reencontrarei meu companheiro, Fox, o cachorrinho.”
Daniel, ou Houellebecq, observa a violência do humano, enquanto não chega o cachorrinho. “Os primeiros quinze minutos de filme eram ocupados pela explosão ininterrupta de crânios de bebê sob os disparos de um revólver de grosso calibre –eu previra câmera lenta, ligeiras aceleradas, toda uma coreografia cerebral à la John Woo.” O escritor escreve um pouco como quem filma. Um escritor da segunda metade do século XX, os anos do recrudescimento do cinema e da sua influência mundial.
A boca cuspidora de Houellebecq, alguns anos antes de 7 de janeiro de 2015, se afiava. Seu texto esculhambando com as religiões (todas as religiões) parece seguir a pregação da revista francesa Charlie Hebdo, a que detonou a raiva muçulmana em 7 de janeiro. Os árabes são “vermes de Alá”. Os judeus são “pulgas circuncisas”. Os cristãos libaneses são “piolhos da xoxota de Maria”. E as palestinas são chamadas ridículas. Só podia dar no que deu; mas não é culpa de Houellebecq, ele simplesmente descreve, em sombrios únicos é verdade, o que seus olhos visionários veem e ninguém mais sabe ver. É o inferno do século XXI acertado por um artista. “Diante do mar, e do sol que descia sobre ele, escrevi um poema. O fato em si já era curioso: não apenas nunca tinha escrito poesia antes, como sequer praticamente lido, à exceção de Baudelaire. A poesia, por sinal, ao que me constasse, estava morta.” Se a poesia morreu, sobram os vitupérios vulgares; misturando-os a um grotesco poético da sociedade de hoje, Houellebecq edifica um panfleto vigoroso contra o humano dos dias atuais. Mas haveria ainda a possibilidade de uma ilha, como evasão de tudo isto?
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br