A Cronica e a Ironia Cinematograficas de Rohmer
Eric Rohmer constroi a narrativa de A Mulher do Aviador com sua serenidade habitual


Éric Rohmer constrói a narrativa de A mulher do aviador (La femme de l’aviateur; 1981) com sua serenidade habitual, documentando os breves gestos de suas personagens e recheando a objetividade das imagens com a intensidade e o despojamento dos diálogos. A trama sentimental elaborada pelo roteiro de Rohmer é somente um pretexto para seu exercício intelectual do cinema: François, um carteiro parisiense, namora a jovem Anne, que está terminando um caso com Christian, aviador casado e cuja mulher acaba de ficar grávida; nas cenas iniciais François bate à porta do apartamento de Anne, como ela não atende ele tenta escrever um bilhete mas a caneta falha, então ele se retira, na sequência surge diante da porta do apartamento de Anne, Christian, põe uma carta debaixo da porta, mas Anne imediato lhe abre a porta, ele entra, nos diálogos se estabelecem os rumos finais do caso entre Anne e Christian por causa da gravidez da esposa dele. A primeira imagem em que vemos François e Anne juntos é quando aparece no plano uma fotografia da atriz Marie Rivière, que é quem vive Anne e era uma das habituadas do universo de Rohmer quando ele fez A mulher do aviador. São sutilezas narrativas assim, entrelaçando as relações entre personagens, cenários e cruzamentos de sequências, que levam Rohmer à sua originalidade cinematográfica.
François domina o filme. Ele vai passar boa parte do tempo espiando o amante de sua namorada e uma outra mulher, provavelmente a esposa dele ou então um outo caso. Nada é aclarado na trama. O que se vê, o que as pessoas dizem nos diálogos pode ser verdade ou falso. No acaso de suas andanças, François topa a adolescente Lucie, uma composição estudadamente rohmeriana de Anne-Laure Meury; esta criatura astuciosamente se interessa pela trama sentimental da vida de François e cria a partir dali os espaços mentais que são os espaços cinematográficos de Rohmer; Lucie tem uma função narrativa próxima daquilo que cabia à personagem da escritora Aurora que em O joelho de Claire (1970) se punha a discorrer e incrementar os dilemas da alma do quarentão Jerônimo em suas aproximações a meninas mais novas.
Primeiro filme da série de “Comédias e provérbios”, que se seguiu aos “Seis contos morais” e antecedeu os “Contos das quatro estações”, A mulher do aviador começa opondo-se a um pensamento de Alfred de Musset com o provérbio “on ne saurait penser à rien” (“não saberia pensar em nada”). Em tudo se pensa ao longo de A mulher do aviador, inclusive nos pequenos nadas da vida.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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