Sam Mendes: Um Estilista Brando do Cinema
A beleza formal de Imp?rio de luz e o vulcao interpretativo de Olivia Colman elevam o prazer de se estar a ver um filme
O cineasta inglês Sam Mendes tem feito filmes de alguma curiosidade mas que ainda não deram o grande salto de suas ambições. Em alguns momentos de sua obra mais recente, Império de luz (Empire of light; 2022), Mendes se aproxima bastante deste salto. É certo que a extraordinária interpretação da atriz britânica Olivia Colman ajuda bastante a dar complexidade a uma tendência do realizador para a estilização superficial, com a composição de planos de fácil plasticidade mas sem grande vibração íntima; ocorre, porém, que aqui Mendes vai mais longe do que em seus outros trabalhos ao aprofundar as relações entre os aspectos formais e temáticos do cinema.
Ambientado entre trabalhadores duma sala de cinema da Inglaterra no início dos anos 80, Império de luz faz uma série de citações a filmes que habitavam as telas dos cinemas em todo o mundo na época. Como eliminar seu chefe (1980), de Colin Higgins (com Jane Fonda); Carruagens de fogo (1981), de Hugh Hudson; O homem elefante (1980), de David Lynch; Muito além do jardim (1979), de Hal Ashby; e por aí vai. As formas de os citar são várias: as imagens dos próprios filmes mostradas numa tela dentro do filme, nos diálogos, em cartazes entremostrados rapidamente em alguns planos postos em alguns cantos de corredores das salas. E Carruagens de fogo tem uma luxuosa sessão de pré-estreia. Certamente as memórias do diretor (que era um adolescente frequentador de salas naqueles anos) funcionaram bastante no roteiro e na encenação. No entanto, nos detalhes de lembranças que constam da mente do realizador, qualquer cinéfilo que, numa cidade qualquer do mundo, frequentasse cinema, vai identificar-se nas visões daqueles filmes.
O centro da trama é ditado pela personagem de Hilary. Desde o começo do filme, sua condição de explorada e abusada por ser mulher. Hilary aparece em algumas cenas em que é obrigada a masturbar, e convidada a fazer sexo oral, com seu chefe, Ellis. Ela vai encontrar afagos sentimentais ao relacionar-se com um colega negro, Stéphen; há uma identificação por ambos serem objetos de preconceitos, ela por ser mulher, ele por ser negro. Mendes logra inserir, com razoável sensibilidade, os temas do feminino e do racismo dentro da curiosa harmonia de seu estilo de filmar; harmonia que não chega a ser clássica mas ainda traz um jeito classicista.
A beleza formal de Império de luz e o vulcão interpretativo de Olivia elevam o prazer de se estar a ver um filme. Além dos ímpetos nostálgicos arraigados numa realização como esta.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br