O Dificil Natural em Cinema
A Raia 4 pode ser tambem um estagio de crescimento: um certo alvo
A primeira imagem de Raia 4 (2019), de Emiliano Cunha, traz o simbolismo de toda a narrativa e sua busca de realidade. A câmara capta uma imagem numa piscina, embaixo d’água: o olho do espectador parece distinguir um ser minúsculo, depois este ser se assemelha a um feto como se aquele monte de água fosse um útero ou sua representação; no fim da sequência o corpo cresce e, em braçadas, vai à procura de sair da água. Raia 4 é um filme de formação no mesmo sentido emcom que se fala em romance de formação: quer relatar a transição da meninice ao começo da adolescência; a personagem escolhida é uma garota, Amanda, aprendiz de natação, nadar e crescer parecem ser seus primeiros caminhos como já se anuncia naquela curiosa imagem inicial da criatura encolhida na água como um feto no líquido do ventre materno.
Aproximar a imagem cinematográfica do universo dos jovens sem artificialismos ou falta de jeito é um desafio complicado na encenação de um filme. A busca do natural numa forma cinematográfica vai dar muitas vezes em resultados toscos. Emiliano vence com brilho a necessidade de equilibrar o espontâneo trivial com aquilo que o cinema constantemente exige para interessar o observador, criatividade.
No retrato de Amanda, há um conflito de Electra exposto com sensibilidade. Sua afeição está mais com seu pai. Para uma amiga, ela confessa que “não entendo essa mulher”. A mulher a que se refere é Marta; ela diz assim à amiga, Marta, para aludir à sua mãe, quando a colega lhe pergunta que mulher; a amiga suspira, estranhada, “ah, tua mãe”. Numa cena clássica da descoberta adolescente, o filme de Emiliano mostra o instante em que Amanda espia seus pais ao fazerem sexo. Em determinado momento Amanda e o pai estão diante da televisão, abraçados; chega a mãe e lhe tira o lugar; o incômodo da menina descortina neste trecho parte de seu ciúme de Electra. Todas as anotações da narrativa sobre as características e o universo de sua personagem obedecem à banalidade da construção; mas tudo é feito com engenho cinematográfico que impedem o filme de cair na monotonia entre forma e tema.
A raia 4 pode ser também um estágio de crescimento: um certo alvo. Para depois saltar da piscina. Nadar, crescer e o útero como a imagem-experiência lá atrás. Para o espectador empenhado, os caminhos de descobertas dum filme como Raia 4 se multiplicam em várias de suas imagens aparentemente naturalistas.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br