A Mulher Fatal em Jane Austen

Austen fez este seu trabalho, ainda muito jovem, quase tateando em busca dum assunto e dum estilo de escrever

05/09/2020 15:20 Por Eron Duarte Fagundes
A Mulher Fatal em Jane Austen

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Jane Austen escreveu sua novela Lady Susan, segundo apontam os pesquisadores, entre 1794 e 1795, quando contava entre 19 e 20 anos de idade, uma espécie de abano para a adolescência que se ia. Não a publicou em vida; a publicação deu-se em 1871, anos depois da morte da autora, que faleceu em 1817. Assim, não se sabe que estrutura final Austen daria a este universo de fuxicos feminis exposto sob a forma de cartas entre as personagens, gerando uma clássica narrativa epistolar. Considerando suas outras obras, talvez o processo estrutural fosse diferente: poderia ser mais denso, como em Emma (1815), ou mais amplo, como em Razão e sensibilidade (1811). Certamente não seria o mesmo livro: mas é o que temos na posteridade. Debrucemo-nos.

Austen fez este seu trabalho, ainda muito jovem, quase tateando em busca dum assunto e dum estilo de escrever. Leitora de seu tempo, ela parece ter escrito seu texto tendo à cabeceira As relações perigosas (1782), o modelo de história epistolar edificado pelo francês Choderlos de Laclos. Há em Lady Susan o mesmo impulso de um certo cinismo temperamental e narrativo que coordena as ações do romance de Laclos; como mulher, Austen troca a dupla figura do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil de Laclos pela ascensão, psicológica e moral, da fêmea manipuladora, que pretende dominar a todos —homens, parentes, sua própria filha adolescente— com seu charme essencialmente íntimo. No entanto, apesar de sua juventude a inclinar à busca duma inspiração quase copiada, às vezes de maneira inconsciente, o talento, ou característica, específico de Austen põe nas breves páginas de Lady Susan aquela aguda sensibilidade de suas observações de província que estariam em obras-primas como Orgulho e preconceito (1813) e A abadia de Northanger (1818).

Sem estar em sua melhor obra, Lady Susan Vernon é, provavelmente, a mais bela criação de personagem de Austen. Pela série de linhas que propõe esta criação como identificação da conduta humana, em seu íntimo e nas relações sociais. Os dados de observação de Austen são sempre imbatíveis: ela tinha um olho literário como ninguém; no que sua personagem central manipula as outras personagens, Austen sabe enfeitiçar o leitor com seu verbo em que as anotações comportamentais carregam uma autenticidade que, apesar do distanciamento da época, parece um perfeito documentário de costumes.

Susan aparece em si mesma, em suas cartas, disfarçando de ingênua em sua astúcia, mas abrindo, o narrador, tudo em linhas sutis; e esta autenticidade das letras de Susan é contraposta, nas missivas das outras personagens, a uma visão nada lisonjeira da personagem central, motivo constante de todos os fuxicos provinciais. Catherine, a cunhada de Susan (Susan é uma jovem viúva no corpo narrativo), não põe freios em sua definição: “Estou, na verdade, chocada com os artifícios dessa mulher sem escrúpulos.” E acusa os disfarces de Susan: “Essa tendência a desculpar ou a esquecer, no calor da admiração, é algo que me irrita”. O motivo da irritação de Catherine: Reginald, irmão de Catherine, é uma das vítimas daquilo que ela própria, Catherine, diz de Susan, “mais absoluto coquetismo”. As vítimas de Susan são muitas: querendo casar, manipula jovens como Reginald e senhores como James Martin; querendo casar sua filha adolescente, força a barra para que a menina case com James, mas no fim acaba ela própria, Susan, casando-se com James. A trama vai, de salto em salto, pela ótica amoral de Susan. É tudo tão ferino: como em Laclos. Mais cerebralmente britânico em Austen. Lady Susan relê As relações perigosas de maneira original.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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