Brigitte Bardot 85 anos

No texto que segue, analisando dois filmes muito diversos, dou meu tributo de espectador a importancia de Brigitte no universo cinematografico do s?culo XX

10/10/2019 14:34 Por Eron Duarte Fagundes
Brigitte Bardot 85 anos

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Brigitte Bardot fez 85 anos no último dia 28 de setembro. É, pois, contemporânea de Sophia Loren, cujos 85 anos se passaram não há muito e a quem já prestei homenagem nesta página. A francesa Brigitte e a italiana Sophia são estrelas incontornáveis do cinema internacional; elas determinaram muito da história do cinema, que, sem elas, teria outros desvios. No entanto, Brigitte é mais um astro que uma grande intérprete, ao contrário de Sophia, cujos recursos de atriz são bastante maiores; ainda assim, Bardot, em seus bons tempos, não deixa de ser a locomotiva a que aludia a escritora francesa Simone de Beauvoir. No texto que segue, analisando dois filmes muito diversos, dou meu tributo de espectador à importância de Brigitte no universo cinematográfico do século XX.

 

A cama envelhecida

É bom examinar as impressões que se tem hoje do cinema do francês Roger Vadim à luz das considerações críticas da época em que seus filmes foram realizados. François Truffaut falava com entusiasmo de um “filme caderno de anotações”, e o que nos fica hoje é um realizador comercial, superficial, ligeiro: se críticos como Truffaut desancavam autores classicistas como René Clair, como podiam ser condescendentes com Vadim? Escreveu o ensaísta brasileiro Paulo Emílio Sales Gomes em seu artigo “A descoberta da cama” (02.04.1960): “Se Vadim pôde cumprir a missão de renovar o cinema francês, deve-se ao fato de não ser ele, então, um cineasta preocupado  em exprimir ideias”. Renovar, Paulo, assim, cabe atribuir a Vadim o condão de renovar num tempo em que se estava vendo o nascedouro de Jean-Luc Godard, Alain Resnais ou mesmo do já citado Truffaut?

Se Don Juan fosse mulher (Don Juan, ou si Don Juan était une femme; 1973), um dos sucessos comerciais na década de 70, permite repensar esta discussão interna que o analista de hoje pode ter confrontando as mesmices mofadas que topa nas narrativas de Vadim com aquilo que gente como Truffaut dizia encontrar ali. Na verdade, a renovação que atribuem a Vadim está na ousadia sexual, embora, passados tantos anos, pareçam cenas para freiras; mas está certamente incrustado na história do cinema o arrojo de provocar a libido do espectador jogando, nuas, na cama a francesa Brigitte Bardot (num determinado primeiro plano da sequência suas unhas belamente esmaltadas se movem em torno da pele de sua parceira) e a inglesa Jane Birkin. É, como diz o artigo de Paulo Emílio, a descoberta da cama no cinema que fez a cabeça do espectador da época; é curioso observar que Truffaut, que admirava estas coisas em Vadim, foi muito mais longe esteticamente nestas proposições (não sei se  Truffaut, quando morreu na primeira metade dos anos 80, já tinha percebido isto como crítico tardio). Mas a cama de Vadim (aqui e também em E Deus criou a mulher, 1956) envelheceu, está até quebrada em muitas partes, mas resiste como elemento do museu cinematográfico; Paulo Emílio ainda afirmava que “os leitos de outros filmes de Vadim, de Louis Malle, Alain Resnais ou Jean-Luc Godard são a descendência direta” do primeiro filme de Vadim, mas se vemos as cenas de cama de Os amantes, 1958, de Malle, ou de Uma mulher para dois, 1961, de Truffaut, o abismo criativo é profundo em desfavor de Vadim —talvez porque somente a distância no tempo pode dar esta capacidade de percepção.

O que vale também é rever uma já madurona mas em forma Mademoiselle Bardot (é como lhe chamam nos créditos). Vadim, o francês tolo e vadio, e sua bobinha gostosa. Em O desprezo (1963) o casamento fílmico é outro: o francês inteligente, Godard, e a  gostosinha bem dirigida, Bardot. A britânica Jane Birkin, uma década mais nova, faz um belo dueto com Bardot; Birkin foi mulher do cantor francês Serge Gainsbourg, que a transformou numa mulher-homem ao dirigi-la em seu filme Paixão selvagem (1976).

O fim do filme não deixa de conter um certo moralismo, apesar de tudo. Quando a personagem de Maurice Ronet incendeia um local e deixa Bardot como ardendo no inferno entre chamas, é como uma punição ao Don Juan de saias, onde já se viu!

Vadim, com uma espécie de barroquismo desengonçado, mistura várias influências gaulesas. Superficializa o espiritualismo de Robert Bresson, inserindo a figura dum padre que é primo da protagonista. Acavala o “caderno de anotações” à Jean Renoir. E finalmente faz desandar a fantasia feérica ao modo de Marcel Carné, com cenários exuberantes e espelhos multiplicados.

O uso de Bardot por Godard

Nos anos 60 do século passado o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard foi bastante prolífico. Houve um ano, 1967, em que realizou pelo menos quatro obras-primas ainda hoje capazes de fascinar seus admiradores: Made in U.S.A., Duas ou três coisas que eu sei dela, A chinesa e Week-end à francesa. Todavia, como todo gênio revolucionário, Godard foi execrado por muitos: não falo do público habitual, que não suportaria mesmo as áridas incursões formais do realizador, mas de espectadores críticos mais reticentes e conformistas.

Segundo o próprio Godard, ele seria atualmente um “célebre esquecido”. Mas sua influência sobre as modificações na sétima arte permanece.

O desprezo (Le mépris; 1963) é certamente um de seus trabalhos de construção mais clássica e estilisticamente mais bem comportados para os padrões de seu cinema. Sua narrativa lenta, cerebral e sussurrada (as pessoas falam aos sussurros em cena, os atores cruzam lentamente pelos grandes planos de cinemascope) evoca o cinema intelectual do italiano Michelangelo Antonioni dessa época; não é por acaso que à saída duma sala de projeção aparece o cartaz de Viagem pela Itália (1953), do italiano Roberto Rossellini, cuja metafísica de filmar influenciou tanto Antonioni quanto Godard.

Como em muitos filmes de Godard (Passion, 1982; Elogio ao amor, 2001), um diretor de cinema está em cena para que Godard exerça mais explicitamente sua metalinguagem: discutir o cinema. O diretor de cinema em cena é o alemão Fritz Lang, que vive a si mesmo para rodar uma versão da Odisseia de Homero. Michel Piccoli, que em Passion foi um cineasta às voltas com as cores pictóricas, aqui interpreta um roteirista brigando com seu pragmático produtor hollywoodiano, na pele de Jack Palance, que acaba por roubar-lhe a atenção (ou a afeição) de sua jovem e bela esposa, uma desejável Brigitte Bardot, cujo corpo deslumbrante é objeto do namoro da câmara nos travellings que abrem a fita: Piccoli e Bardot na cama a conversar numa sequência lúbrica (por Bardot!).

Segundo dizia o fotógrafo Raoul Coutard, na época da realização do filme, O desprezo era uma carta-recado de Godard à sua ex-esposa Anna Karina; carta-recado bastante cara segundo Coutard. O título do filme refere-se a um diálogo entre Piccoli e Bardot em que esta revela que o que sente naquele momento por seu parceiro é desprezo mesmo. No final do filme Bardot e Palance sucumbem num acidente automobilístico na penúltima sequência. A sequência de encerramento é uma tomada de Lang de seu fictício filme homérico; Ulisses vai fitar sua pátria, Ítaca.  Ainda a observar que Godard abdica dos créditos escritos, preferindo dizê-los na abertura da narrativa em voz-over, um pouco à semelhança dos filmes caseiros, cuja espontaneidade de linguagem muitas vezes foi a base da revolução de Godard e onde ele afrouxava um pouco seu rigor rosseliniano-bressoniano.

“Quando ouço falar em cultura, puxo de meu talão de cheques”, diz a personagem de Palance a certa altura. “Os nazistas diziam revólver no lugar de talão de cheques”, retruca Lang. Esta é a ironia básica de Godard sobre o cinema de Hollywood. Em Elogio ao amor há um pouco desta ironia ao referir o nome do norte-americano Steven Spielberg como o comprador dos direitos duma produção política europeia.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

 

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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