A Catedral de Victor Hugo

Notre-Dame de Paris (1831) e\\\' um romance de exaltacao dum monumento de Paris, a Catedral de Notre-Dame, situada no centro de Paris, e tambem a narrativa duma historia de amor desgracado

14/08/2019 13:26 Por Eron Duarte Fagundes
A Catedral de Victor Hugo

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O francês Victor Hugo, que em boa parte de seu tempo literário se dedicou à poesia, cometeu dois romances que chegaram à posteridade de maneira mais forte que seus poemas. Em seu tempo, Hugo foi uma instituição das letras francesas; no séculos que estão vindo, ele é questionado tanto como poeta quanto como romancista, mas sua importância é realçada e inevitável.

Notre-Dame de Paris (1831) é um romance de exaltação dum monumento da França, a Catedral de Notre-Dame, situada no centro de Paris, e também a narrativa duma história de amor desgraçado, entre o defeituoso sineiro da igreja Quasimodo e a pobre cigana Esmeralda, enforcada naqueles idos medievais por razões ou obscuras ou moralistas. O livro está muito longe de ser uma obra-prima: compondo-se dos problemas inatos à arte narrativa de Hugo (sua grandiloquência, sua verbosidade superficial e fácil), Notre-Dame de Paris topa nestes mesmos elementos sua grande capacidade de sobrevivência pública.

Basta pensar no capítulo dedicado à descrição, ao modo conceitual em verbo e símbolos do século XIX, da catedral, uma espécie de personagem central paralela do romance: “Sans doute, c’est encore aujourd’hui un majestueux et sublime édifice que l’église de Notre-Dame de Paris. Mais, si belle qu’elle se soit conservée en vieillissant, il est difficile de ne pas soupirer, de ne pas s’indigner devant les dégradations, les mutilations sans nombre que simultanément le temps et les hommes ont fait subir au vénérable monument, sans respect pour Charlemagne qui en avait posé la première pierre, pour Philippe- Auguste qui en avait posé la dernière.” (“Sem dúvida, é, ainda nos dias de hoje, um majestoso e sublime edifício, a Igreja de Notra-Dame de Paris. Mas, por mais bela que se tenha conservado envelhecendo, é difícil não suspirar nem se indignar com as degradações, as mutilações sem conta que o tempo e os homens fizeram o venerável monumento suportar, sem respeito para com Carlos Magno que ali depusera a primeira pedra, por Filipe-Augusto que ali depusera a derradeira.”

Notre-Dame de Paris é uma obra de ocasião que sobreviveu. Assim como o monumento a que se refere. A crueldade do tempo agiu um pouco sobre a catedral e a escrita de Hugo, mas não as derrubou. Um pouco porque os franceses amam seus monumentos e seus grandes homens. E outro tanto porque a pieguice sentimental de Hugo de certa maneira sempre está na moda. Quando, diante do cadafalso onde sua amada Esmeralda topa a morte, Quasimodo dá seu murmúrio exclamativo (“Oh! tout ce que j’ai aimé!”, “Oh! tudo o que amei!”), o romancista vai ao encontro dos leitores de todas as épocas e latitudes (na verdade, Hugo, como era praxe no século XIX, amiúde se dirige diretamente aos leitores). Esta catadura apatetada de Quasimodo diante do cadáver de Esmeralda é o primeiro final. O final mesmo vai fazer Quasimodo e Esmeralda resgates arqueológicos, sob a forma de “deux squelettes dont l’un tenait l’autre singulièrement embrassé” (“dois esqueletos onde um tinha o outro singularmente abraçado”). É uma visão (os esqueletos de Quasimodo e Esmeralda entrelaçados) que o narrador resgata no pós-final como algo descoberto dois anos depois do fim da história de Notre-Dame de Paris. E chegamos à estranha forma da frase final: “L’homme auquel il avait appartenu était donc venu là, et il y était mort. Quand on voulut le détacher du squelette qu’il embrassait, il tomba en poussière.” Quer dizer: mesmo na morte, Quasimodo não vive sem Esmeralda; ao separarem seu esqueleto do dela, ele cai transformado em poeira: desaparece. O amor louco é transcendente, segundo Hugo.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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