A Mulher da Capa Roxa

Ela Matou em Êxtase, lançado nos cinemas em 1971, é, em sua superfície, um filme de vingança

27/04/2018 23:42 Por Bianca Zasso
A Mulher da Capa Roxa

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Alguns filmes exigem conhecimento histórico para serem plenamente absorvidos. Outros, pedem que o espectador abstraia um pouco da realidade para garantirem a diversão completa. Mas o cinema do espanhol Jésus Franco nos faz um convite à liberdade. Por ter circulado por vários gêneros e países ao longo de sua carreira e com uma filmografia que passa dos 200 títulos, Franco deu ao mundo experimentos cinéfilos que, aos mais desatentos, podem não passar de uma série de imagens sem nexo ou roteiros que parecem terem sido talhados para terem uma cena de nudez a cada dez minutos. Quem dera as coisas fossem simples assim para o nosso Jésus.

Ela Matou em Êxtase, lançado nos cinemas em 1971, é, em sua superfície, um filme de vingança. Quando um médico que faz experiências com embriões humanos perde o direito de exercer a medicina e é execrado por seus colegas de profissão, não apenas sua carreira tem fim, mas sua vida. Após o suicídio do marido, a esposa, interpretada pela musa de Franco Soledad Miranda, dá início a uma série de mortes, acabando com cada um dos responsáveis pelo caminho sem volta no qual embarcou seu amado. E é aí que a liberdade entra.

Esqueça os planos mirabolantes ou as preparações detalhadas. Nossa heroína, que merece esse título não apenas por trajar sempre uma felpuda capa roxa, mas por encarar a bronca de executar sua vingança sem nenhuma ajuda, sai matando com o que encontra pelo caminho. De travesseiro inflável à tesoura, tudo pode ajudar a dar cabo a personagens típicos da burguesia na qual algumas das tramas dirigidas por Franco (e outras produções europeias da época, diga-se de passagem). Por fora, a elegância de gosto duvidoso. Por dentro, ideias de caráter duvidosas. Por mais que a crítica social não seja o foco de Ela Matou em Êxtase, o diretor se vale de seus queridos zooms e de uma direção de arte colorida para criar uma atmosfera de farsa que torna tudo ainda mais interessante.

Não é todo o dia que ouvimos uma trilha que parece ter saído de algum exemplar blaxploitation ser o pano de fundo para uma cena que mostra um laboratório repleto de frascos com fetos humanos. É assim que Franco abre seu longa-metragem. O aviso foi dado. A tal liberdade que foi citada no início deste texto não pede licença. Se as atuações são sofríveis e a história tem falhas, pouco importa. Jésus Franco nos propõe um delírio inspirado em A Noiva Estava de Preto, do francês François Truffaut. Nada contra um dos nomes mais lembrados da Nouvelle Vague, mas o espanhol, que neste caso estava filmando na Alemanha, trouxe novos tons e propostas para um filme que tinha mais interesse no suspense que na sensualidade.

Sim, é impossível não falar de erotismo num texto sobre um filme de Jésus Franco. Não estamos fugindo dele, pelo contrário. A personagem de Soledad, assim como outras mulheres em muitos filmes por aí, não tem nome e sua razão de viver é o marido. Mais que isso: a felicidade do homem com o qual ela trocou alianças e votos. Sem um passado ou algo realmente seu para ser transposto na tela, a mulher da capa roxa não se contenta em matar. Há um impulso sexual entre ela e suas vítimas antes que ela desfira um golpe de faca. Um fetiche? Está mais para um desespero, já que o grande “sofrimento” da moça é o marido não reagir às suas carícias após a destruição de seu nome no meio médico. Uma máquina de seduzir e dar prazer, assim são algumas das mulheres de Jésus Franco. Isto não é uma crítica, já que seu cinema livre diverte como poucos. Mas permite que mulheres que admiram o trabalho do diretor, caso desta que vos escreve, não se contentem em apenas ter uma hora e meia e diversão. Podemos pensar o que nos tira da realidade. É outra diversão que começa.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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