Jarmusch em Grande Forma
Paterson (Paterson; 2016), do norte-americano Jim Jarmusch, é um choque do cotidiano dentro do habitual cinema que vemos nos cinemas neste século XXI
Paterson (Paterson; 2016), do norte-americano Jim Jarmusch, é um choque do cotidiano dentro do habitual cinema que vemos nos cinemas neste século XXI. Mesmo certos filmes de aparência realista, um realismo de literatura do século XIX, como aqueles do também americano Woody Allen, não têm o poder de chocar e inquietar o público como crônica estranha do patético de vidas ordinárias realizada com seu sarcasmo oculto por Jarmusch.
É uma surpresa para o observador atual. Certos textos sobre o filme, ainda que elogiosos, padecem da incompreensão de ver, pois dizem que, apesar de nada relatar de extraordinário, senão os grandes poemas do protagonista, Jarmusch demonstra habilidade em interessar o espectador. Pois o problema destas observações está nas conjunções “apesar de” e “senão”: como se o analista fizesse concessões e exceções para bem ver a narrativa descarnada de Jarmusch.
Mas aquele assistente mais antigo, que viu florescer em sua melhor época o cinema de Jarmusch não se surpreende nem se incomoda: constata um grande retorno. O cineasta americano determinou seu estilo de filmar em três filmes muito estimados nos anos 80: Estranhos no paraíso (1982), Down by law (1986) e Trem mistério (1989). Depois a força de seu cinema, ainda que mantivesse suas características de encenação, se foi esvaindo: parecia um pastiche de si mesmo. O que faz a grandeza de seu cinema nada tem com “apesar de”, “senão”; o extraordinário em Paterson é justamente o alinhavar do cotidiano, este andar da carruagem em que escrever poemas num caderno está lado a lado com a vida conjugal e frequentar um bar, em que dirigir um ônibus é tão importante quanto topar uma garotinha que lhe fala da admiração por Emily Dickinson, em que o patético da vida comum está tanto em atentar para o sofrimento e a desilusão amorosa dum rapaz negro num bar quanto em ouvir um jovem poeta japonês num banco da rua perguntar sobre certos escritores antigos da cidade de Paterson, Nova Jérsei. Tudo se mistura, em idênticas tintas, para produzir a forma cinematográfica de Jarmusch, que adaptou ao mundo americano aquele encanto pela rotina que foi inventado pelo diretor japonês Yasujiro Ozu e aquele andar meio kafkiano de personagens que em determinada época exasperou o ritmo narrativo do alemão Wim Wenders. De minha parte, saúdo este retorno ao esplendor por parte de Jim Jarmusch: sem análises concessivas, pois ele traz tudo de que precisamos para ver bem em cinema.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br