A Tecnica da Cronica em Claudia De Marchi
Claudia avancou em sua busca de aprofundar-se em seu intimo de escritora e ser humano
Há uma técnica da crônica no processo criativo de Cláudia de Marchi, assim como no francês Marcel Proust há uma técnica do romance, decodificada pelo crítico brasileiro Álvaro Lins. Se em Proust topamos com o entrelaçamento da memória como o fio que sustenta seu romance-rio, num livro como Contra a maré (2017), em que Cláudia junta suas crônicas dispersas por aí, o leitor vai encontrar uma especial técnica da crônica onde uma crônica se suspende para reiniciar-se na outra, pondo na página um conjunto que, modificando-se de parte para parte sutilmente, mantém a essência, o ímpeto estético vital de sua autora.
Lemos na introdução: “Esta não é uma obra de ficção, tampouco um amealhado de contos ou narrativas eróticas (como muitos esperavam, haja vista a ‘fama’ do meu site/blog de minhas narrativas diárias atinentes aos meus encontros como cortesã). Não é um romance com final feliz, nem uma autobiografia cheia de emoções. Na verdade, posso dizer-lhes que esta obra não tem fim.” E de fato não tem fim: apesar de suas frases incisivas e fortes para abordar assuntos nem sempre fáceis de tratar, Contra a maré se põe como uma obra aberta, formal e libertariamente. As primeiras crônicas têm uma facilidade juvenil que pouco a pouco, nas crônicas que são mais recentes, se convertem numa maturidade sempre em construção.
Em “O que significa ser acompanhante de luxo?” esta técnica de construção da crônica se estabelece num dos temas das multifacetadas atividades profissionais e humanas de Cláudia. Ela começa: “Vou ‘desenhar’ para que as pessoas com dificuldade de cognição compreendam: ‘acompanhante’ é aquela que ‘acompanha’. O cidadão não está comprando o corpo ou meramente o sexo, mas, isto sim, a companhia da dama. Portanto, cada mulher neste ramo coloca o preço que ‘acha’ que a sua companhia vale.” Na frase final, descritiva e precisa, a cronista resume: “Discrição, fineza e classe na postura, cultura, humor e eloquência, apetência sexual ilimitada e ausência de pudor entre quatro paredes definem uma verdadeira acompanhante de luxo.” Mas aí, à porta do quarto da intimidade, a crônica se suspende, sugerindo o íntimo da cronista, que em outra crônica diz, cortante, “a raça humana falhou”. Em seu seguinte livro que permeiam crônicas, Caótica (2025), Cláudia avançou em sua busca de aprofundar-se em seu íntimo de escritora e ser humano; quem lê suas crônicas que seguem dispersas por aí, publicadas individualmente, sabe que esta busca de avançar e transformar-se não tem fim. Sua literatura não tem fim: como a vida não tem fim — esta essência duma técnica de construção de crônica que se vai bifurcando em várias portas ao longo dos anos.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br
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