Nos, os Voyeurs Erotizados dos Anos 70

O diretor de cinema frances Just Jaeckin (1940-2022) fez alguns filmes em que o senso da dramaturgia cinematografica passa longe

14/07/2025 03:54 Por Eron Duarte Fagundes
Nos, os Voyeurs Erotizados dos Anos 70

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O diretor de cinema francês Just Jaeckin (1940-2022) fez alguns filmes em que o senso da dramaturgia cinematográfica passa longe. Mas seu Emmanuelle (1974), cuja origem é um romance homônimo de Emmanuelle Arsan, virou um marco na história do cinema. Certo: seu filme, visto no Brasil no fim da década de 70 ou início dos 80, com o título de Emmanuelle, a verdadeira (para se distinguir das muitas “Emmanuelles” que vieram na carona), ou revisto à luz dos anos 20 do século XXI, tem uma narrativa desossada, inconsistente, padece mesmo duma anemia de narrar em cinema; mas o historiador cinematográfico não pode deixar de ter em conta o pioneirismo de algumas de suas ousadias eróticas e o debochado de sua amoralidade, ainda que uma luz atual possa olhar enviesado e com má vontade para a  exposição do corpo e do sexo de sua personagem, algo hoje considerado um voyeurismo machista, a despeito dos refinamentos franceses em que a câmara de Jaeckin mergulha.

Pode-se dizer que Jaeckin embarcava na onda do erotismo internacional da década de 70, quando o italiano Bernardo Bertolucci fez sua provocação de escândalo em O último tango em Paris (1972) e o japonês Nagisa Oshima estabeleceu o sexo como rito de Eros e Tanatos em O império dos sentidos (1976). Jaeckin está longe da agudez trágica e existencial de Bertolucci ou da lucidez e energia plásticas de Oshima. Mas, para o cinéfilo que se pode ser, a importância nostálgica de um reencontro com um espectador que fomos supera as fragilidades especificamente cinematográficas de Emmanuelle.

Demais, há a presença icônica da atriz holandesa Sylvia Kristel (1952-2012), que se entregou a uma interpretação sem pudores para atrair os olhares voyeuristas de seu tempo e expõe seu corpo e sua encenação da volúpia com um descaramento que ultrapassa o tempo. Consta que Sylvia Kristel foi convidada ou fez teste antes para estrelar O último tango em Paris mas Bertolucci teria optado pela francesa Maria Schrader, e deu no que deu, uma interpretação única que trouxe traumas para o posterior desenvolvimento humano e fílmico, para Maria, coisa que Emmanuelle não se sabe tenha trazido para a cabeça de Sylvia. (Sobre Sylvia, uma história constante de nosso jornalismo cinematográfico: o crítico Tuio Becker, escrevendo sobre as possibilidades de se dar com personalidades do cinema em viagem ou em Porto Alegre mesmo —o americano Richard Gere namorando uma gaúcha nas ruas de nossa cidade ou Al Pacino num set de filmagem em Nova Iorque— revelou que vira, certa vez, em Madri uma jovem parecida com Sylvia e não se animara a aproximar-se e perguntar-lhe, em inglês, francês ou espanhol, se ela não era Sylvia Kristel). Em Emmanuelle Sylvia exibe a força plástica de sua curva dos vinte anos, e Jaeckin logra explorar isto como convinha a um filme da época.

Ambientado naquilo que ao olhar ocidental é puro exotismo, como a cidade de Bangkok, na Tailândia, Emmanuelle percorre os desejos duma mulher no coração da década de 70, aquele se seguiu ao vulcão liberal dos anos 60 e antecede o susto do decênio seguinte, com a AIDS, nos anos 80, Emmanuelle, para bem e para mal, é nosso autorretrato dos jovens dos anos 70. Naturalmente uma mulher de hoje, como a grande diretora francesa Audrey Diwan, não resiste a uma visão do filme senão por dez minutos e vai construir sua própria Emmanuelle contemporânea: como fez Diwan.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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