RESENHA: Getúlio

Este bom filme estrelado por Tony Ramos tem, segundo Rubens Ewald Filho, os problemas de sempre: o roteiro falho.

30/04/2014 10:51 Por Rubens Ewald Filho
RESENHA: Getúlio

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Getúlio

Brasil, 14. Direção de João Jardim. Produção de Carla Camurati. Com Tony Ramos, Drica Moraes, Alexandre Borges, Clarice Abujamra, Leonardo Medeiros, Fernando Luis, Murilo Elbas, Marcelo Medici, Adriano Garib, Silvio Matos, Murilo Grossi, Paulo Giardini, Thiago Justino, Claudio Tovar, Daniel Dantas.

 

Só mesmo num país como o Brasil é que se deixou para fazer apenas agora uma biografia sobre o ex-ditador e ex-presidente Getúlio Vargas, que morreu em 1954, que até agora foi mostrado em um par de documentários longas (mas nos anos 60), em algumas séries da TV Globo (até bem feitas) e como coadjuvante em alguns longas (como Osmar Prado que o fez em Olga, Paulo Betti em Chatô, que naturalmente não vimos e provavelmente nunca o veremos), e o meu favorito Leon Cakoff numa aparição em O País dos Tenentes (era de todos o mais parecido).

Tony Ramos não se parece fisicamente com a polêmica figura e curiosamente nem tenta.  De vez em quando muito de longe tem um leve sotaque gaúcho. Mas fala com o seu tom habitual, não usa o chapéu famoso (será só eu que vejo o Getúlio de chapéu!), no máximo fuma charuto e tem uma barriga postiça. Estão ausentes frases características dele assim como a seu respeito (na verdade, o povo está totalmente fora do filme, só é visto na cena final quando mostram cenas reais de seu enterro. As imagens de jornais de época só surgem do meio para o fim – e os protestos de ruas em fotos na mão de Alzirinha!). O que mais eu senti falta: ele virou um bom ainda que impaciente velhinho. Não é em momento algum um ditador destronado. Tão educado, compreensivo, correto, cumpridor das leis (uma hora diz que rasgou duas constituições, não iria fazer isso uma terceira vez. Eu contradigo, para quem fez não teria problema mais uma!). Mesmo a corrupção que rola solta pelo palácio e por sua família, o que fica claro quando se desmascara a figura do capanga Gregório Fortunato (e querem me dizer por que não há uma única cena entre Getulio e ele?? Seriam os dois protagonistas e fundamentais na tragédia que vai se desenrolar. Um teria de enfrentar o outro...).  

A escolha de não procurar nem de longe imitar Getulio é parcialmente compensada porque obviamente ele existiu antes da televisão e não há muita gente viva que se lembre dele. Nem do seu jeito de agir e falar. Podem muito bem consumir Tony, já que graças a Deus ele é muito bom ator, tem a reações certas, pro meu gosto ate humaniza demais uma figura que sempre será um torturador simpatizante de fascistas/nazistas e não a vítima que está neste roteiro, um desamparado velho, não se diz a idade dele, aliás sonega-se informações de todos os tipos. Por exemplo, o que há entre ele e sua mulher  que mal se falam e obviamente estão separados de fato! E por que um filho esta viajando e não volta e não se fala mais nisso (será filho, como não explicam posso estar errando!). E a única figura que realmente deixa um pouco mais claro que esconde muita coisa, é a eminência parda, a filha Alzirinha, que Drica Moraes torna a melhor coisa do filme. Ao menos dá para se ver que é ela que manobra tudo por trás, que tem segredos embora não digam quais são eles! (por isso o pai é tão pouco amoroso com ela, que insiste em ficar em cima dele. Porque está conspirando com os militares e coisas piores).

Para dar maior clima e suspense ao filme, o roteiro inventa um par de vezes cenas de sonho para Getúlio se imaginar saindo do Palácio do Catete preso e outras semelhantes. Mas se fizeram isso bem que podiam ter mostrado uma situação onde a família que matava Getúlio como a saída para eles todos, o que afinal foi o que sucedeu... É uma hipótese possível e interessante que ninguém ousa levantar porque ainda há envolvidos por perto... Quem sabe no próximo século!

Enfim, grande parte do filme foi rodado no Palácio do Catete e em planos próximos, às vezes até demais. A escalação do elenco é curiosa, porque coloca humoristas em papeis sérios, como Marcelo Medici de filho médico de Getúlio. Até ai tudo bem, mas não consegui engolir como chefe militar da Aeronáutica  conduzindo os inquéritos justamente o namorado do Crô!

No mais, o confinamento no Catete que de certa forma seria um forte da trama, acaba não ajudando a trama cheia de “disse que me disse” que vão se complicando porque Getúlio se recusa a bloquear a investigação ou mesmo dar um golpe (Isso merecia uma discussão maior!).  Mas vamos ser justos, o filme trata o assunto com dignidade, com alguns poucos erros de época (não se dizia nos anos cinquenta, “mau caráter”) e consegue manter o interesse. Senti certa falta de Brasil (podia ser uma conspiração em qualquer lugar do mundo), do mito de Getúlio, de seu passado (não há flash- backs!), de canções de época. Louvo porém o respeito com que tudo é tratado (até mesmo a figura de Carlos Lacerda  que tem um momento também de humanização, quando fica também aturdido!).

No final das contas, porém o problema é o de sempre, o roteiro falho.

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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