A principal característica da crítica literária do austríaco-brasileiro Otto Maria Carpeaux é sua propensão à sátira. Trata-se duma ironia feroz contra a burrice humana. Dono de um saber enciclopédico encaixado com perfeição em seu cérebro onde o raciocínio exerce uma aguda função, preciso observador das coisas da literatura, Carpeaux fala das coisas com conhecimento de causa: pode-se discordar aqui e ali de seu juízo, mas somos assombrados por sua inegável capacidade de iluminar o conhecimento do leitor.

O volume I dos Ensaios reunidos (1999), englobando os livros A cinza do purgatório (1942), Origens e fins (1942), Respostas e perguntas (1953), Retratos e leituras (1953), Presenças (1958) e Livros na mesa (1960) permitiu-me reencontrar artigos que me fascinaram na juventude, ensinando-me certos métodos de ler. Seu estudo sobre a obra do romancista Graciliano Ramos é um marco. Sua reverência ao maior crítico literário brasileiro, o pernambucano Álvaro Lins, dela participo. O exercício máximo de sua sátira é quando equipara os anedotários ataques de um obscuro crítico marxista à obra de Machado de Assis, à sujeira fisiológica que os pássaros despejam nas estátuas dos grandes homens erigidas em praças públicas.

Sua ojeriza contra a ficção intelectual e citatória do inglês Aldous Huxley e sua preferência pela literatura mais direta e humana de outro inglês, o romancista Gaham Greene, indicam a orientação de um cérebro privilegiado que talvez se tenha cansado dos excessos culturais. Em Greene ele vê a predestinação de autor cinematográfico pela “condensação visual das coisas”. Em Huxley, Carpeaux sempre desconfiou de sua “famosa cultura enciclopédica”.

Concordando ou não com os resultados a que o ensaísta chega com seu pensamento, somos todavia arrastados por esta torrente de ideias elaboradas e profundas.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)